[O sinistro “Dia de Ano”]
E finda-se o sempre melancólico "Dia de Ano", expressão que aprendi com minha a mãe. Já vai tarde esse ambíguo dia que, se eu pudesse, apagaria do calendário. Se eu fosse um pássaro, eu faria silêncio total neste dia!
O símbolo que ajusto à feição, à cara do Dia de Ano é um jardim com um muro baixo, coberto de musgo, sobre o qual derrama-se uma basta roseira carregada de cachos de miúdas flores brancas que salpicam, tristemente, a calçada esverdeada da rua.
Ao fundo, uma silenciosa casa modesta porém bela, com um amplo alpendre. Pela vidraça da sala, em frente ao jardim, coa-se o reflexo de uma luz fraca, vinda lá dos fundos casa. Entardecida, a casa parece dormir.
Não estou certo se esta visão corresponde mesmo a uma observação feita certo Dia de Ano. Provavelmente não, mas a julgar pelo musgo viçoso no muro e na calçada, é uma visão de um chuvoso janeiro [o mês de duas caras: uma olhando o ano que principia, e a outra voltada para o ano que acaba de findar [isto é coisa dos sábios romanos antigos].
E como, para mim, a tristeza de janeiro atinge todos os seus 31 dias, o que me impede de atribuir esta imagem ao primeiro dia de janeiro, ao Dia de Ano?
Só um consolo me resta: pensar na cara de janeiro que se volta para frente, para incerteza dos dias vindouros! A incerteza é a marca fundamental da vida: como serão os 364 dias restantes, num país que chafurda na violência, na corrupção, no desgoverno? Haja espaço para tanta incerteza!
Duas observações finais:
Nada consegue ser mais fútil e ingênuo, senão hipócrita, que a chamada "esperança de dias melhores", principalmente quando esta vaga esperança quase nunca é pautada por ações, mas apenas por volições — ah, esse vício do wishful thinking que têm os humanos de interpretar desejos como realidades.
Nada consegue ser mais triste que um enterro de pobre, num janeiro de céu carregado de nuvens de chuva, numa pequena cidade do interior, o humilde esquife levado a pulso até o cemitério, que fica sempre na parte alta da cidadezinha — uma ironia ou a vã tentativa de ficar mais perto do céu?
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[Desterro, 01 de janeiro de 2015 - o fatídico "Dia de Ano"]