O natal com você
O natal com você
Encontramo-nos com a facilidade do algodão que se desfaz nas mãos. O recinto estava lotado e ela se sentou na única cadeira vaga. Ao meu lado. O que você almeja? E foi como se um botão desligasse todas as vozes. "Almejo alguém que fique feliz apenas com a minha presença". Ela pensou, comendo amendoim, de um saquinho de papel de verde, até suspirar que a Alma está sempre em busca de unidade. Do que você gostaria? "De ser mais meu amigo, de abrandar meus pensamentos, de massagear meus pés debaixo de uma árvore, de, por um momento, voltar ao passado e refazer um piquenique desastrado". Ela balançava um dos pés. Nesse instante o burburinho dos presentes voltou como um borrão para sumir de novo. Foi só um ruído. Estamos lado a lado, mas não nos olhamos. Falamos para a frente. Ela diz que o futuro é melhor do que o passado. Com quem você vai passar o natal? "Em última análise, com alguém que deveria amar por inteiro. Vamos dividir um prato, assistir TV e pensar que a vida dos entes queridos reunidos e salvaguardados por guirlandas e uma cerquinha branca passou por nós". Sinto-a olhando para mim. Percebo que seus dedos são longilíneos e sentem prazer em levar o amendoim a boca. Gosto de perguntar, diz ela, que parece conter uma animação muito maior do que aparenta. "Não me incomodo", respondo. Do que se lembra? "De ter tentado". Pessoas entram e saem. Ela faz que vai levantar e alguém já se aproxima para ocupar o lugar. Ela muda de idéia, voltando a sentar. Gosto de perguntar porque, de mim mesma, não falo, aprendo, contudo, com os espelhos, e assim vou juntando partes. Pode olhar pra mim? Olhei-a. Gostei dos olhos. São leves como pólen. Durou um segundo. No que você acredita? "Em algo indescritível, esquivo, difícil de agarrar, não é a postura lógica, não é o cérebro do pega-mata-e come, é algo que chega de algum lugar e faz a ponte para o outro lado do véu". Tornamos a falar para frente, ela brinca com o amendoim. Que dias são estes? "Melancólicos? Ou Kasama, o genuíno destino do Ser....". Que seria? "Facilidade, bondade, um diapasão que está bem aí, temporariamente encoberto, em estado latente, mas pronto, a qualquer momento, para lidar com tudo. Sei que os medos atrapalham, o egoísmo encobre, o orgulho desvia. Não deveria ser assim e talvez não venha a ser". Alguém acena pra ela. Ela acena de volta, levanta-se, só então percebi que carrega uma criança no ventre. Suas vestes são alegres como conchas pela manhã. Me estendeu uma mão firme e amiga, antes de dizer adeus. Por instantes, nos medimos como companheiros que não se vêem há muito tempo.
(Imagem: Joel Sternfeld)
O natal com você
Encontramo-nos com a facilidade do algodão que se desfaz nas mãos. O recinto estava lotado e ela se sentou na única cadeira vaga. Ao meu lado. O que você almeja? E foi como se um botão desligasse todas as vozes. "Almejo alguém que fique feliz apenas com a minha presença". Ela pensou, comendo amendoim, de um saquinho de papel de verde, até suspirar que a Alma está sempre em busca de unidade. Do que você gostaria? "De ser mais meu amigo, de abrandar meus pensamentos, de massagear meus pés debaixo de uma árvore, de, por um momento, voltar ao passado e refazer um piquenique desastrado". Ela balançava um dos pés. Nesse instante o burburinho dos presentes voltou como um borrão para sumir de novo. Foi só um ruído. Estamos lado a lado, mas não nos olhamos. Falamos para a frente. Ela diz que o futuro é melhor do que o passado. Com quem você vai passar o natal? "Em última análise, com alguém que deveria amar por inteiro. Vamos dividir um prato, assistir TV e pensar que a vida dos entes queridos reunidos e salvaguardados por guirlandas e uma cerquinha branca passou por nós". Sinto-a olhando para mim. Percebo que seus dedos são longilíneos e sentem prazer em levar o amendoim a boca. Gosto de perguntar, diz ela, que parece conter uma animação muito maior do que aparenta. "Não me incomodo", respondo. Do que se lembra? "De ter tentado". Pessoas entram e saem. Ela faz que vai levantar e alguém já se aproxima para ocupar o lugar. Ela muda de idéia, voltando a sentar. Gosto de perguntar porque, de mim mesma, não falo, aprendo, contudo, com os espelhos, e assim vou juntando partes. Pode olhar pra mim? Olhei-a. Gostei dos olhos. São leves como pólen. Durou um segundo. No que você acredita? "Em algo indescritível, esquivo, difícil de agarrar, não é a postura lógica, não é o cérebro do pega-mata-e come, é algo que chega de algum lugar e faz a ponte para o outro lado do véu". Tornamos a falar para frente, ela brinca com o amendoim. Que dias são estes? "Melancólicos? Ou Kasama, o genuíno destino do Ser....". Que seria? "Facilidade, bondade, um diapasão que está bem aí, temporariamente encoberto, em estado latente, mas pronto, a qualquer momento, para lidar com tudo. Sei que os medos atrapalham, o egoísmo encobre, o orgulho desvia. Não deveria ser assim e talvez não venha a ser". Alguém acena pra ela. Ela acena de volta, levanta-se, só então percebi que carrega uma criança no ventre. Suas vestes são alegres como conchas pela manhã. Me estendeu uma mão firme e amiga, antes de dizer adeus. Por instantes, nos medimos como companheiros que não se vêem há muito tempo.
(Imagem: Joel Sternfeld)