Paradoxos
Numa dessas sextas-feiras precisava de um espaço para respirar. Pra onde não importava. Não era o destino, mas a possibilidade, avançar num desconhecido que o perturbava. Pegou a carteira, e a chave abriu a porta e saiu. Adentrou algum espaço fora, inteiro e sem detalhes, coisas quase esquecidas. Introspectivo tocava com olhar as incertezas, observava as esquinas que a alma ocultava.
Apenas é, um desses caras comuns, barba por fazer, com um espírito subversivo, já homem feito, pós-moderno. Rapaz com seus vinte e poucos anos...que daqui a alguns dias completará mais outro. Algo tão seu (vida), que parece finita, evaporando sob o sol. E absolvida nos dias de chuva.
Decidiu encontrar alguns amigos num boteco, Beirute da Asa Sul.
Na mesa já havia algumas garrafas de cerveja, petiscos de calabresa e queijo. Todos conversam sobre faculdade, concursos, viagens pro Tibete, músicas desde o quadradinho de quatro ao sensível Tchaikovsky, com pausas para virar de uma vez o copo e beber a cerveja, imitar as celebridades do YouTube, confessar apaixonado pela vida, pelos rapazes, aqueles que o desejo e o coração mandar e o momento permitir. Beber, beber e beber diluir a dor. Sorrir para as possibilidades. Arriscar a ter coragem. Sentir experimentar contos de Caio Fernando Abreu na carne, ser carnalmente humano, desejo.
Tímido, gay, estudante de medicina, lascado, que gosta de psicanálise e poesia. Sonha voar de balão, asa delta, escalar uma montanha, tomar banho de rio, mergulhar no mar, contemplar a Aurora Boreal, viajar de bicicleta ou por carona, conhecer o Tibete, cantar no Karaokê de boteco, ter dois filhos (adotivos), assistir os filmes do Godard sem dormir, esquiar em Bariloche, viajar de trem pelo Peru...Há tanto assunto num intervalo entre a inspiração e expiração.
Pensamentos ébrios, como o doce vinho chileno que o amigo trouxe de Buenos Aires. Nalgum momento a procura de um significado existencial para o vazio, já se tornava um lapso, sem contexto ou palavra, apenas era. Bastava sentir, sentir, sentir...respirar. Permitir os declives tão ocultos que amedrontam. Sentir a possibilidade de sentir. Pensar...experimentar a madrugada que se desponta. Há tantos sentimentos calados e promessas a serem cumpridas... e mal nascemos e começamos a morrer.