"Renascimento"
As cortinas fecharam-se! Fiquei inerte diante daquele pano
frio, sentindo o cheiro envelhecido de outros espetáculos passados.
Fechei os olhos, ainda ouvia os aplausos, abafados e mudos. Pela
suavidade do vento, percebi que a minha volta, o cenário se desfazia.
Por alguns instantes permaneci imóvel, tendo apenas meu pensamento
como companheiro.
Ouvia vozes em histeria, passadas ruidosas e sussurros
inesperados, abri lentamente os meus olhos e enxerguei a escuridão
da cena. Tudo era vazio, mas nele algo especular pairava. Talvez,
como em uma oração esquecida, por devotos fervorosos; mas mesmo
assim eu estava só naquele cenário em mutação.
A minha roupa era a carne gélida que revestia minha aura.
Estava fria e branca, sentia os ossos congelarem, mesmo assim
continuei a minha cena.
As cortinas se abriram, senti outra rajada de sussurros em
meus ouvidos, e aos poucos fui absorvendo a coragem de abrir os
olhos.
Na platéia, apenas uma pessoa a assistir o espetáculo da
minha vida. Era a imagem do desconhecido, uma face cheia de
incógnitas. Não conseguia identificar se sorria ou se chorava, somente
percebia o seu olhar, que a cada movimento meu, seguia.
Eu estava nua, representando em um cenário despido de
qualquer adereço, não havia absolutamente nada, somente eu e o
palco, o palco e eu.
Olhei para o lado direito, nada vi. Criei expectativa, retornei
a vista para o meu lado esquerdo, não vi nada!
Bruscamente, joguei todo o meu corpo para trás, toquei o
chão, que parecia mais gelado que o meu corpo. Vi a imensidão do
teto, refletindo as luzes em meus olhos inebriados. Tentei mover meus
pés, mas não conseguia, estava congelado e doía muito. Minhas mãos
estavam unidas, como em um gesto de devoção.
Ah, os meus olhos, estes viam a imensidão do cenário vazio,
a lucidez daquela cena pairava sobre mim. Ao fundo, bem ao fundo, eu
ouvia um aplauso abafado e inconstante: começou pausadamente,
acelerou aos poucos e em instantes estavam diante de mim.
Girava meus olhos ansiosos buscando a origem daquelas
mãos, via um sapato escuro e os seus passos lentos que circundavam
o meu corpo nu. Nada além do sapato, envolto a uma luz incessante.
Acreditei num sonho, ou em um possível momento de
insanidade. Cerrei meus olhos numa fugaz tentativa de transcender,
mas logo percebi que não havia evoluído, ainda era um corpo inerte no
meio de uma cena.
E os sapatos, ah os sapatos que não paravam um só
segundo. Estavam me deixando louca, mas era uma loucura
controlável, destas que você tenta fugir, mas para o interior dela.
Novamente as cortinas se fecham, sinto meus pés! Eles se
movem aquecidos e suaves. Minhas mãos se rompem da junção
clerical, mas meus olhos cegaram, não consigo enxergar nada,
somente o negro medonho que toma conta de todo o meu consciente.
As passadas cessaram, senti-me quente e parecia molhada.
Não era suor, nem saliva: era uma nuvem que me carregava. Eu sentia
a sua umidade invadindo a minha pele, parecia quente e perfumada,
mas aos poucos a brisa a fez amena.
O cenário se desfez, o teto inexistia, os aplausos voltaram:
onde estou?
Senti dourar a minha tez, meus cabelos voavam com o tocar
do vento, meus lábios ganharam a cor da vida e minhas mãos, ah
minha mãos, estavam livres e leves.
Ainda estava nua, mas era uma nudez prudente. Meu corpo
ainda estava quente, mesmo com o vento me tocando. Os sussurros
estremeciam meus ouvidos, era uma música suave e doce, invadia
meu corpo e me anestesiava.
Olhei novamente a minha volta e percebi pétalas de rosas
espalhadas pelo chão, o cenário havia, enfim, surgido! Era um campo,
talvez!
Aos poucos consegui me levantar, sentia-me estranha, mas
ergui-me, meu corpo estava leve, parecia querer flutuar.
Olhei para as cortinas, que de negras tornaram-se brancas.
Na platéia, um espectador, apenas um único pagante daquele
espetáculo, que era a minha vida.
E eu estava nua! Quanta insanidade, nua diante da minha
própria peça! Mas minha nudez não assustou o meu único público.
Pelas escadas cobertas de pétalas de rosas desci degrau por
degrau, calma e segura caminhei em direção daquela unicidade
momentânea. Aos poucos se acenderam as luzes, ainda aos poucos
seu rosto fora se iluminando, cheguei mais perto e pude sentir seu
cheiro: um cheiro sereno, que invadia meus sentidos.
Ganhou vida o seu rosto, um brilho em seu sorriso e seus
olhos, ah os seus olhos eram armadilhas a me puxarem. Parei! Ele
levantou-se. Seus sapatos eram pretos, iguais aos que havia visto
anteriormente. Olhei novamente para aqueles olhos que me puxavam,
senti-me invadida e dominada, senti-me segura.
Senti a suavidade da sua respiração tocando meu pescoço,
ouvi as batidas de seu coração em meu peito e concebi, naquela sutil
encenação, a concepção da palavra “Amor”.
Foi naquele momento que sorri pela primeira vez, sem
incomodar-me com o outro. Aprendi a dar vazão aos meus mais
íntimos desejos e consegui eternizar a minha maior cena: o meu
renascimento.