RELATO DE UMA TORTURADA
Não foi ontem
Mas as marcas ainda estão aqui
As cicatrizes não deixam esquecer
E se não houvessem cicatrizes,
Também não esqueceria.
Lembro todo dia a dor que sentia
Meus ouvidos ainda ouvem os gritos
Os xingos são tão vívidos que me assustam.
Cada palavra, cada ofensa, se apossaram de mim;
É como se o que ouvia ainda ressoa e me atinge
Posso dizer que elas estão em cada poro do meu corpo
Nunca mais usei cabelos cumpridos; era arrastada por eles.
Tenho consciência que não foi ontem
Hoje me atormenta a ideia que poderia não existir mais
O pavor que me invade não é o pavor da morte
A morte virá, queiramos ou não
O pavor que me invade é que essas coisas se repitam
Porque se repetir, sei que muitos outros sofrerão.
Não foi ontem, eu sei
Mas como esquecer se trago no corpo as marcas?
Não, não tenho medo da morte
Sei que ela virá, sei que não escaparei;
Eles não escaparão.
O que me causa medo, tremo só em pensar,
É que eles voltem, eles não tem escrúpulos
E sei que muitos vibram e pedem sua volta.
O triste nisso tudo, não foi o que ficou
Não são as marcas, nem os xingos
O triste é saber que existem pessoas
Que estão prontas para fazer tudo de novo
Então, isso dói, dói muito,
Dói tanto que toda vez que ouço pedirem sua volta,
Meu corpo, como se falasse por si, apresenta hematomas.
Eu pensava que estava livre deles, mas não.
Meu corpo, não sei, involuntariamente, solta hematomas.
É triste, muito triste que outras pessoas queiram aquilo de novo.
Então, isso dói, dói muito, dói...