Antes do amanhecer
O meu corpo é um produto
De um mercado legal da prostituição
A moral sustenta o cafetão
Que prega todos os dias a eternidade
E a salvação.
Eu nado contra a cultura da opressão
E por não obedecer o patrão
Nem me enquadrar no seu padrão
Eu sou chamado de aberração.
Ideais, publicidade
Moda e televisão
Vozes obsessivas dizendo que eu sou um campeão
Que para isso é só consumir sem consultar a razão.
E para obter muita satisfação: compre mais
Seus amigos gostarão.
E nessa prostituição de nossas essências
Esbarramos na esquina da vida
Com a frustração e a desilusão.
Querendo ser aceito, eu me vendo
Comprando para satisfazer o meu ego
Eu não surpreendo
Eu sou o mais do mesmo
E na novidade, eu fico devendo.
O prazer nos foi proibido
Extinguido por uma categoria moral
Enquanto o caos segue harmoniosamente o seu destino
Unindo com toda a força:
O ódio, o ressentimento
A indiferença bebida com moralina letal.
Proibidos de ser e de livremente pensar
Somos convidados a nos vedar
A escondermos a verdade estampada
No dia a dia enquanto caminhamos como cegos.
Seguindo a ordem da obediência
Fomentamos o comércio velado
Da nossa torturada essência
Empobrecendo qualquer tipo de experiência
Que venha agregar conhecimento
Em nossas vivências.
Sabedoria é algo démodé
Coisa de gente antiga
Que nada tem a ver
Com o que está acontecendo.
Acreditamos tanto na liberdade
Que nos aprisionamos
Nos iludindo com a barriga sarada
Com o corte de cabelo “da hora”
Com iphones e ipads
E sem olhar para o outro que nos atravessa a rua
Vamos sendo atropelados pela própria ignorância.
O verdadeiro gozo nesta vida
Parece se esconder
O que assistimos na tevê nos engana
Como acreditar em alguma coisa?
Como não morrer?
Desde cedo somos congelados
Nosso cérebro recebe injeções letais de entendimento
E se não houver esclarecimento
O mais certo é nos perder.
O gay, o negro livre da senzala
A mulher freqüentando a polis
Causa ódio ao Grande Poder.
O seu nome é patriarcado
E sua função é estabelecer
Desigualdade e desunião
Ao lado da sagrada igreja
E sua lógica de exclusão.
E cheio de discurso de morte
O negro morre na favela
A mulher é estuprada
E reduzida a um objeto
Para o prazer da cultura de estupro
E para o gozo de quem as tortura com prazer.
E a perversidade encontra a sua liberdade na lei
O Estado de Exceção os dão poder
Para fazer a injustiça com as próprias mãos
Em nome do jornalismo fascista cristão.
E para manter o bem estar da boa civilização
Principalmente dos “cidadãos de bem”
É necessário que prendam todos os diferentes
Em postes públicos de iluminação
Para que o seu crime sirva de alerta
Aos que insistirem nessa violação de direitos
Do fascista que prega uma religião
Da morte, de ódio e exclusão.
O verdadeiro gozo estar em se exercer
Com integridade enfrentando o medo
Vivendo com ousadia e coragem
E isso ninguém quer
Ninguém quer pagar o preço
É mais fácil viver como todo mundo
E lentamente morrer.
Almas perturbadas e confusas
Buscam em terapias a solução em sua psiquê
Já tão empobrecida de liberdade
Já tão torturada desde bebê.
A porta para as respostas está trancada
Nenhum livro de auto-ajuda irá responder
O que de fato é a causa de toda a angústia:
Nos tornamos ignorantes e burros ao crescermos
As crianças são mais livres e alegres
Sabem porquê?
Elas não se engessaram para agradar ninguém
E dia a após dia,
Tudo é uma aventura
Tudo é novo
E tudo pode florescer.
Ao nos tornamos adultos
Conhecemos o caminho escuro da vida
E nele nos perdemos de nós mesmos
E quando tentamos nos reencontrar
Caímos nos abismos que construímos
Desde a sexualidade reprimida
Até o sepultamento dos sonhos já esquecidos
Que nos mantinham vivos de verdade e de pé
Quando a fé não era comercializada
Nem vendida nos templos dos Anticristos.
Os seres humanos estão perdidos por covardia
Por medo de ir contra um sistema que lhe aprisiona
Não só o corpo, mas também a mente
E nessa sociedade excludente
Ninguém quer ficar de fora.
Todo mundo quer um capital
Quer poder e mais poder
Para reproduzir mais ideais de consumo
E transformar os que estão nascendo
Em subprodutos de um mundo selvagem
E em todos os sentidos: decadente.
Seguir o rebanho é mais fácil
A voz do pastor substitui a voz do pai
Que ensina com dureza
Como ser um robô capaz
De cometer as maiores atrocidades do planeta
Em nome da paz.
E fugindo de qualquer sofrimento
Pois até isso não é mais permitido
Vejo pessoas caindo no poço de suas consciências
Encontrando com a sujeira de suas almas
Tão cansadas até delas mesmas.
Por não querer ser rejeitados
Rejeitam a si mesmos
Buscando o prazer estético
A todo o momento
Casam-se com o desespero.
Ignorando a realidade aterrorizadora
Encontram-se todas as noites antes de dormir
Com a sorridente loucura
E para esquecer este sentimento/sensação tão obscura
Entorpecem a consciência com drogas lícitas
Que drogam a racionalidade
Tornando-se zumbis durante o dia
E viciados ante o pesadelo
De enfrentar os seus medos e fantasmas diários
Deitam e espera o efeito da droga afastar
Para bem longe de todos os seus pensamentos
A tristeza como fiel companheira
E suas eternas agonias.
Alimentando o pensamento pronto
Indiferente a desgraça alheia
Os seres demasiadamente humanos
Se tornam animais irracionais
Diante das barbaridades
Que ainda conseguem cometer.
E escravos do consumo
Consomem a si mesmo e aos outros
Acreditando na juventude eterna
No paraíso eterno dos covardes
Onde nunca prestarão contas de seus erros.
E neste inferno que o cidadão de bem provoca
Sentem-se injustiçados por viverem aprisionados
Em seus apartamentos de luxo comprados
A base de sangue de pobres dizimados
Mendigos e drogados.
Os assassinos estão livres
E o amor ao outro não vende
O ódio é propagado
E o fascismo é contundente
E não surpreende.
E acreditando que a paz irá reinar
Terão de dar conta do inferno que nós somos
E da maldição que carregamos
Por jamais pensar antes de pensar
E alimentar o pensamento vazio
O pensamento pronto e embalado
Para plastificar nossas vidas
E nos soterrar.
E ainda acreditaremos no céu por vir
E mesmo que pudéssemos nos arrepender
Já estaremos todos mortos
Antes do primeiro amanhecer.