CANÇÃO DO DESEJO REPRIMIDO
Pés cansados levam a ti de viagem, na mala das mensagens tidas e havidas, nas paredes das ruas mortas, antevista no dossel dos motéis, nos outdoors esqueléticos da paixão, nas comidas que cheiram álacres e apimentadas; no vinho ácido pelo qual celebro a possível felicidade, boca presa, sem palavra. Recordo em mim – a doida sombra de corpo e viço – nos mais tradicionais recantos da Bahia do Salvador. Via-te pendurada, displicente, nos vestidos de cada banca, no Mercado Modelo: roupas leves, muita renda, balangandãs e miçangas, rituais de pomba-gira e cigana. Materializava a nudez e imaginava o inusitado talento de vestir por fora, porque por dentro sabia tamanho e profundidade, amorosa e cheirosa, baba de mulher prazerosa. No decorrer das esquinas, à socapa, presente, puta tesuda, desejei copular a felicidade (que mereces), mercê de seres a indesejada sombra. E é assim que te concebo, entre a saudade e o vinho, neste singelo dia de finados. E dói o calo de viver. Assim me fino – mofino – na moldura da palavra. Um insólito tolo costurado ao vazio das esperas.
– Do livro POESIA DE ALCOVA, 2014.
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