Pessoa
O que sou escrevo, o que não sou também escrevo. É quando grito ao papel o que não existe, mas o que insiste. Finjo até mesmo minha dor, disseram-me que sou um fingidor. Entretanto, jamais poeta. Pois, deveras sou humano, pouco pareço-me Pessoa. Mais carne e osso, que sentimento. Lembre-se, sou um fingidor. Fingo tão bem, que finjo não sentir minha própria dor. Sou mais santa do que moça. Sou um esboço de uma pintura inacabada - aflita e dissimulada. Todavia, me rabisco, e me apago. Eu sou o pintor ou a moldura. Mas em meu desejo mais fiel e derradeiro queria ser papel. Esbranquiçado, fino, leve. Deixaria-te que fosse a tinta, deixaria-te que pintasse um céu - para que eu fosse mais poeta que fingidor. Para que Pessoa não fingisse dor. Assim, seria eu recomeço - leve e menos aflito.