Tempo Subestimado
-Ah, menino, choro quando me lembro desse seu olhar fugaz, secretamente assustado, sua boca mestiça, com idiossincrasias e poças de sonhos derramadas em tapetes de amor aveludado. Choro quando ouso olhar os rabiscos do céu ensolarado e lembrar-me das tardes quentes de verão, da piscina de fibra que não dava pé, do cheiro de grama recém cortada e nossas mães, tirando sobrancelhas e conversando sobre a novela das oito. Me emociono ao recordar, de novo, dos seus olhos de primeiro amor, das mãos frias pré-adolescentes que seguravam alianças pratas simbolizando promessas do pra sempre, de mergulhar no fundão para nos beijarmos rapidamente sem que ninguém percebesse nosso amor proibido de dois homenzinhos paulistas e inconsequentes e, em seguida, ríamos. Ríamos como só dois inocentes sabem rir.
Após um dia cansativo de muita aguaria, suplicávamos mais tempo juntos. "São mesmo melhores amigos". -É o que diziam.
Acabávamos dormindo no mesmo quarto; às onze, procurando pornografias modernas,meia-noite, na mesma cama e após às duas: no mesmo edredom.
Eis que fomos crescendo, aprendendo a desvendar e a amar cada parte de nossos corpos recheados de hormônios caramelados. Mas o tempo ficou exigente, quis mais de mim e de você. O secreto deixava de satisfazer nossos desejos ansiosos e pecaminosos, o inverno estava chegando e com ele novos avatares modificadores de opinião.
Com o tempo, cada um foi preferindo dormir em um colchão, a piscina fora ficando vazia, até que se esvaziou e, por último, enxuguei as poças de sonhos. O olhar assustado, tornou-se opaco e frio, as mãos cresceram, mas afetividade é vaga. O tempo roubou tudo de nós? Ou fomos nós que abusamos demais dele? subestimamos-o? Não sei.