Cíntia! Cíntia!
Há muito tempo amei uma garota. E ainda a amo.
Mas, oh, como não queria amá-la! Ela me dá nojo! Quando vejo suas faces tão rosadas e sadias, sinto vontade de dilacerá-las a unhadas e mordidas, até ficarem irreconhecíveis. Quando ela me fita, longa e ternamente com seus olhinhos castanhos e faiscantes, controlo-me para não vazá-los de suas órbitas e brincar com eles em meus dedos, como duas sangrentas bolas de gude. Costumava deslizar lentamente meus dedos por seus cabelos, que sob o Sol pareciam emitir um brilho arroxeado; mas minha vontade era arrancar suas madeixas aos tufos.
Sua voz é uma melodia que deixaria o mais belo dos anjos invejoso, e seu sorriso é uma fileira de pérolas imaculadas; mas não concorda comigo, ó meu leitor, que ela ficaria muito mais bela chorando de dor após eu arrancar todos os dentes de sua boca e montar um lindo colar de rubis? Sempre achei rubis mais lindos que pérolas. E também julgo a melodia do choro mais agradável que a do riso.
Imagino-a dormindo, um de meus passatempos prediletos. Seu peito sobe e desce à medida que ressona, e o barulho de sua lenta respiração enche o ambiente. Chego mais perto e posso escutar seu coraçãozinho batendo... um calmante tum-tum. Uma de suas mãos pende lânguida para fora do parapeito da cama, e a outra repousa em seu alvíssimo ventre. Seu semblante é uma pitoresca definição da palavra "paz".
E então perfuro seu peito com um punhal, abrindo-lha um rasgão que vai até sua barriga. Seus gritos enternecem meu coração. Oh, harmônica sinfonia! Grite mais alto, minha amada! És bela por dentro e por fora, sabia? O som de tuas entranhas viscosas pulsando embalam meu coração até a mais alta das camadas do Céu. Sempre te achei semelhante a uma boneca de porcelana; quem sabe não és, realmente, feita de porcelana? Quebrar-lhe-ei o crânio a marteladas para descobrir.
Como amo causar-te a dor! Como amo destruir teu ser! Destruíste meu coração, e deixaste-o tão exposto como a deixo agora; massa disforme de órgãos e ossos fraturados.
Mas não julgue-me de todo mau... pouparei teu coração. Tenho piedade ainda, coisa que nunca tiveste. Colocarei-o numa caixinha e deixarei-o em minha mesa, para que eu possa ter sempre um pedacinho de ti perto de mim enquanto lhe escrevo, ó minha musa. E em troca, te sepultarei em meus cantos, que lhe servirão de caixão.
Será a aliança de amor eterno que sempre lhe prometi, Cíntia.