Réquiem pelos pássaros mortos
o ritmo desenfreado da cidade máquina leva com suas rodas as vidas daqueles que saem em busca de abrigo
tão logo se para na sarjeta e a memória irrompe carregando a reminiscência dos longos passos até chegar neste exato ponto.
a boca pede água fresca
é preciso empurrar as migalhas goela abaixo e aguardar que a digestão não nos tire a convicção de que algures, longe do ninho, a leveza tome conta dos nossos pés frágeis e fartos de andança
o frenesi é tanto
a máquina desordenada derrama espesso líquido negro por onde passa
manchando e pesando o dorso de quem leva na garganta o alimento e a subserviência necessários para garantir a existência de outra frágil criatura
a consciência não é atributo daquele que intenta desbravar os trajeto ignóbeis e desconhecidos e repousar sobre os fios acarreta, quem sabe, a execução, o juízo final
ao afastar os pés do chão é necessário saber que o apoio dependerá das imprevisões do tempo e do espaço
os fios, os galhos, gota d’água em piche quente que mormaça e derrete a cera que nos sustenta
aos que por acaso falharam restam os vazios públicos lavados por excrementos e despojos do que um dia nos serviu de escapatória rumo ao sublime
o firmamento pertence aos que bebem água suja das valas
aos que se lançam às alturas e se quebram; frágeis cascas de ovos
atropelados pelas rodas de borracha
aos que se entregam à misericórdia de ser livre