Adoração à Virgem

força que arrebenta meu corpo

neurótica, compulsiva, controladora

apesar da aparente clareza que habita meu interior

no exterior eu me revelo

caótica e destrambelhada.

paciência não me foi facultada

uma granada esperando quem tire o pino

a magnitude do luar cheio me destempera

um ímpeto atravessa as paredes do quarto

e quando percebo estou feito bicho adorando

a esfera prateada.

para sorver dos meus olhos uma ou cinco lágrimas não é necessário empreender demasiado esforço.

choro com tudo que vejo porque tudo me emociona

os pássaros a se refrescar em poças sujas

gatos cultuando o sol num exercício preguiçoso e contagiante

as formigas cegamente movidas pela coerção de seu grupo

o beijo falso do filme

a saudade da inocência inócua que me povoava e me consumia

as árvores com suas copas gritando o colorido da cidade caótica que Baudelaire cantava em seus versos

eu choro demais, tal como faço agora

fortaleza é como procuro manter parte do meu corpo

minha consciência

uma rocha intransponível

quero olhos me fitando tal como

mulher forte, dura, sozinha

tanta dissimulação para no outro instante alguém me virar do avesso

desvendar, constatar minhas incontáveis fraquezas

medos, aflições, loucuras e desvarios.

orgulhosa em todas as acepções que a palavra possa abranger

dispensando maiores detalhes.

Sensível, chorosa, manhosa

gato à procura de afeto ao se enrolar no morno das pernas

se fosse possível o ronronar seria meu hino, meu canto.

Sou muito eu

Imensa

Muito intensa

Sabine Kundera
Enviado por Sabine Kundera em 20/09/2014
Reeditado em 14/01/2024
Código do texto: T4969667
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