MEU ROSTO DE NINGUÉM
Republicação – Texto de 13 de outubro de 2009
Burguesa por formação e fado partilhei, ao longo de mais de quinze anos, teu destino de anarquista, tua mansarda, teus rumos alineares, teu compromisso com o destino da Espécie, tua condição de apátrida, tuas múltiplas Línguas, tua estirpe não gregária, teus deslaços de família, tua solidão essencial.
Durante mais de quinze anos segui contigo, desenraizada de tudo a que pensara pertencer: o percurso regular dos relógios, o trajeto uniforme dos afetos, a partilha das datas comemorativas - casamentos, separações, sucessão de gerações; as heranças, as desafinidades eletivas, as cordialidades de encomenda para se ficar bem nos álbuns da família, da família a permanecer intocada para sempre. Embora cumprindo todos os meus deveres e compromissos nesse mundo, ainda que sem a ele pertencer mais.
A vida torceu-nos os rumos todos, na tua, na minha vida. A despeito de tudo, permaneceste fiel a ti mesmo, mais do que nunca fiel ao teu ideário, mais livre do que nunca na tua condição de apátrida, de ser sem raízes, de homem só de riquezas mentais acumuladas ao longo da vida pelo lado de fora de todos os muros do Sistema. Um homem inteiro, a despeito de tudo, das perdas terríficas: um homem inteiro. Para meu para sempre mais fundo respeito.
Eu, por minha vez, voltei só para o tempo regular dos relógios, dos passos medidos, dos textos lineares, da uniformidade dos afetos. Ficaram-me de ti a estranheza absoluta diante de cada um dos mundos e a certeza do mais perfeito não pertencimento ao quer que seja, neste meu rosto de agora: o rosto de NINGUÉM. Mas, não tens qualquer culpa disso tudo, de nada disso. Nem tu, nem ninguém. Eu a tenho? Não o sei, talvez sim, talvez tampouco. Apenas descobri contigo, como com o Outro, muito do meu rosto oculto a mim. E descobri tudo tarde demais. E, no entanto, ah, fundo paradoxo... Sempre me quis e quero, também, como todos: um ser gregário, um simples ser para amar e ser amado... mas... Como? Quando? Com quem? Ainda há algum tempo para tentar nascer de novo? Ah, meu querido Amigo... Que os deuses vos protejam, a ti e ao Outro, ao Outro, teu antípoda-complementar. Que os Deuses vos protejam, e a mim também "se piedade vos sobrar" como diz Vinícius. A piedade dos deuses.
Durante mais de quinze anos segui contigo, desenraizada de tudo a que pensara pertencer: o percurso regular dos relógios, o trajeto uniforme dos afetos, a partilha das datas comemorativas - casamentos, separações, sucessão de gerações; as heranças, as desafinidades eletivas, as cordialidades de encomenda para se ficar bem nos álbuns da família, da família a permanecer intocada para sempre. Embora cumprindo todos os meus deveres e compromissos nesse mundo, ainda que sem a ele pertencer mais.
A vida torceu-nos os rumos todos, na tua, na minha vida. A despeito de tudo, permaneceste fiel a ti mesmo, mais do que nunca fiel ao teu ideário, mais livre do que nunca na tua condição de apátrida, de ser sem raízes, de homem só de riquezas mentais acumuladas ao longo da vida pelo lado de fora de todos os muros do Sistema. Um homem inteiro, a despeito de tudo, das perdas terríficas: um homem inteiro. Para meu para sempre mais fundo respeito.
Eu, por minha vez, voltei só para o tempo regular dos relógios, dos passos medidos, dos textos lineares, da uniformidade dos afetos. Ficaram-me de ti a estranheza absoluta diante de cada um dos mundos e a certeza do mais perfeito não pertencimento ao quer que seja, neste meu rosto de agora: o rosto de NINGUÉM. Mas, não tens qualquer culpa disso tudo, de nada disso. Nem tu, nem ninguém. Eu a tenho? Não o sei, talvez sim, talvez tampouco. Apenas descobri contigo, como com o Outro, muito do meu rosto oculto a mim. E descobri tudo tarde demais. E, no entanto, ah, fundo paradoxo... Sempre me quis e quero, também, como todos: um ser gregário, um simples ser para amar e ser amado... mas... Como? Quando? Com quem? Ainda há algum tempo para tentar nascer de novo? Ah, meu querido Amigo... Que os deuses vos protejam, a ti e ao Outro, ao Outro, teu antípoda-complementar. Que os Deuses vos protejam, e a mim também "se piedade vos sobrar" como diz Vinícius. A piedade dos deuses.