Neurônios em Guerra

Algures, cai uma chuva bem fininha. Parece uma neblina que veio de repente. Subitamente como a força natural que ora fustiga minha alma. Para mim, nada de tão anormal, chuvas no inicio do crepúsculo vespertino náutico sempre nos traz inspiração. Ainda que não chegue de repente. Mas, além disso, o espaço entre o coração e a natureza se traja de uma roupagem diferente. Talvez seja a imprecisão com que as molduras da noite desenham a rápida passagem da luz para as trevas. Meus olhos, daqui da janela do apartamento, alcançam o mínimo visível. Meu olhar, vagamente, se perde no infinito. Poucas definições. Na rua, movimentos sutis, ares de tristeza, quase uma quietude. Alhures, ouço uma música estranha, é notável uma mistura sinestésica de melancolia. Dizer que são louvores, alerta-me o medo em cometer um sacrilégio. Pois me parece bastante óbvio que, louvores a Deus é construído de notas e harmonias alegres. O que ouço é muito triste. Os cães da rua não ladram, parecem compartilhar da mesma estranheza que impressionam meus sentidos. Ainda que eu discorde de paradoxos dessa natureza. Pois, espiritualmente, não parecem os animais se sensibilizarem com os sentimentos humanos. Um assobio em um canto qualquer da rua. Agora, há circunstâncias em movimentos. Uma criança passa correndo desafiando a chuva mansa que persiste em cair. Um céu escuro e sem estrelas deixa a atmosfera abandonada ao acaso... não vejo a lua. Já levantei e andei pela casa. Reconheci nos meus apetrechos mais adorados um pouco de desprezo. Meus livros mais interessantes parecem não me dizer nada. Faço uma prece a Bacon e ele me rejeita as últimas gotas de vinho. Para eu não ser ébrio, este deus me conduz com grande força e obstinação. Prometo que não vou parafrasear Noé, ainda que eu quisesse, certamente, faltar-me-ia alguns requisitos. Meu violão talvez, suas cordas estão mudas e já não me proporcionam o timbre que mereço. Debalde são notas que executo. Ainda que executadas com a maestria encantadora dos bemóis. A vida é lírica, mas composta de uma melodia muda. Ou então não há melodia. Parece ser mais cômodo adormecer e esperar o sol. Há sempre uma nova esperança em um novo dia...o sono pode ser bom. Isso se não for pego pela vigília. Se o que era para ser sonho não vier como pesadelo. Hoje se eu pudesse escolher, eu não queria sonhar. Minha mente se transforma em uma estrada de fazenda. Estrada deserta. Agora, desfila uma carruagem arrastando pensamentos. Não preciso mesmo de breves explicações porque o que sinto é inexplicável. Desafio Sigmund Freud, por esse motivo não vale a pena ressuscitar. Minha insípida experiência jamais lhe traria sucesso. Outras vidas são povoadas de casos menos complexos para possíveis explicações, Basta !! Neste momento os ânimos da rua se ressuscitam!! Alhures alguém exerce o seu direito de expressão. As baquetas soam descompassadas nas mãos de algum aprendiz. O barulho me furta os últimos resquícios de concentração. Ser poeta sem sofrer é quase que impossível. Poesia sem sentimentos e sem dor é falsa. Aqui, a tristeza é um inferno para quem não escreve; um purgatório para o alívio de quem ler. Quem tem fortes sensibilidades pode até alcançar um céu. A vida que dou de presente às palavras é feita de batimentos e pulsações. Tem suor e tem sangue, por isso elas servem de alimento para os espíritos em luta, não para todos. Sobretudo, para os espíritos acometidos das mesmas aspirações.