tempestade...inverno duro...memórias
pequena prosa poética
tempestade...inverno duro...memórias
Meu pai tratava das lides do campo, a horta era tratada com esmero e tudo nela havia para nos alimentarmos, a minha terra é terra de figos, e também a apanha destes estava a seu cargo, derrubados e apanhados quando maduros, estendiam-se em tabuleiros a secar ao sol, todos os dias se entabuleiravam, ou seja, colocavam-se todos os tabuleiros uns por cima dos outros por causa do orvalho da noite e no dia seguinte colocavam-se de novo ao sol, os figos entretanto secavam, passavam a chamar-se passas, entre elas fazia-se uma escolha, as mais bonitas ficavam arrecadadas numa arca de madeira, colocava-se sobre elas ervas do campo uma delas o funcho e folhas de pessegueiro secas, depois comiam-se durante o inverno, as outras seguiam para a destilaria onde se produzia álcool puro. A vida do pai era igual à de qualquer camponês, dependia muito do tempo, das chuvas, e por conseguinte também da luz do sol, o inverno era a época mais dolorosa para os trabalhos no campo, em contrapartida era também a mais aconchegante, pois havia sempre a lareira a crepitar. A colheita dos figos, da azeitona e do trigo rendia para que ninguém passasse fome, não sendo também grande a fartura.Um dia qualquer, dum inverno duradoiro, meu pai e meu tio serravam num tripé troncos para queimar, quando uma trovoada estremeceu os céus, ribombou durante algumas horas e eis quando um raio atravessou a chaminé da nossa casa derrubando-a, caindo o raio aos pés dos dois fazendo um tremendo buraco no chão que era térreo, ficaram como que inanimados, sem fala durante algumas horas, a minha avó que sempre me sossegou dizendo haver um pára-raios defronte na quinta, ficou sem palavras, quando viu meus olhos rasos de lágrimas pelo acontecido. Conservo na memória esse inverno sem fim, são imagens suspensas no tempo, à noite a chuva batia nas telhas, nesta altura vivíamos na casa da avó paterna e ela me sossegava: não tenhas medo, os trovões estão longe, já cá não chegam, vamos rezar a Santa Bárbara bendita...
E assim adormecia, abraçada aos cobertores na esperança de sonhar o que era uma benção, a avó tinha sempre razão, no dia seguinte os ares estavam lavados, o mau tempo tinha amainado as laranjeiras explodiam de perfume...e os besouros beijavam as flores numa azáfama nunca vista. E são assim minhas lembranças, algumas velhas sabedorias aprendidas... lembranças que me desalentam, outras me dão um bem estar e uma saudade indefinível que me embriaga.
natalia nuno
rosafogo