Passado Presente (Javary revisitado)

Para Patricia, com muito carinho e admiração.

Sempre que retorno àquela casa de tantas memórias,

ouço os gritos de excitação e alegria da criança que um dia eu fui,

sinto o cheiro do doce de goiaba da minha avó,

percorro os caminhos secretos que a fantasia da infância desenhou.

Observo imagens lá fundo do meu pensamento;

imagens que me remetem a tudo aquilo que vivi e senti na tenra idade.

Imagens que, naquele momento, me incitam a reviver um tempo que já não existe mais, mas que se presentifica naquela antiga construção.

Ouço a voz do meu falecido avô, que me ensinou a cavalgar.

Aquele homem de cabeça alva e de cabelos ralos que, ao mesmo tempo, impunha respeito, medo e traduzia seu carinho por nós na forma de um arguto instrutor.

Volto àquela casa e me deparo diante de um espelho com um ser adulto, já marcado pelo tempo.

Tempo que embora morto e sepultado nas lembranças do passado,

renasce naquele espaço construído e solidificado de tanto sentimentos, risos, orgasmos, medos, choros, conversas e discussões amalgamadas nas paredes, nos pisos e no telhado daquele objeto passado e tão presente na vida da minha família.

Retorno como mãe e observo minha mãe, hoje uma avó com dificuldades para se locomover.

Observo aquela mulher que no entardecer da sua vida ainda consegue amar, sorrir, projetar e construir novos espaços e ambientes daquela construção, verdadeiro acervo da memória de outros tempos que constantemente se atualiza, numa infinita linha que registra de forma indelével a complexa e, muitas vezes, contraditória miríade de vivências do passado.

Haverá o dia que também serei avó, que também verei na alegria e na doçura das crianças, entre elas, talvez, os filhos dos meus filhos, mais uma razão para sorrir, para amar e para comungar com quem estiver ao meu lado outras lembranças que não fizeram parte da minha vida.

Tudo isso, é claro, saboreando um bom vinho e tendo minhas mãos acarinhadas e beijadas por aquele homem que, me fez reconhecer e reviver, depois de experimentar fortes e pretéritas desilusões, o amor e o prazer os quais, na velhice, pairam fugidios como o fogo de uma vela que se esvai como tempo de nossas vidas.

G_Bienenstein
Enviado por G_Bienenstein em 21/08/2014
Reeditado em 11/09/2014
Código do texto: T4931129
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