(texto biográfico escrito por jlc - jan)
Será muito difícil, para mim, contar agora, a história da minha primeira namorada. Toda a trama que envolve esse amor, ao recordá-la, causa-me grande tristeza, enorme sofrimento, emociona-me! Talvez, por isso, não consiga fazê-lo bem, porque, dominado por emoções fortes, perco-me em divagações. Perdoem-me!
Coincidentemente, hoje, recebi, por e-mail, a foto dela. Enviou-me uma amiga internauta de Lorena, S.Paulo, a Mari, cuja mãe, foi colega de colégio da mãe da minha primeira namorada. Olhando-a, remeti-me ao passado.
Num dia qualquer do mês de junho, eu chegava a Lorena. Vinha do Rio para passar minhas férias de meio do ano. Eram trinta dias de inteira felicidade, passados na casa de meus tios, Adolfo e Celina, irmã de minha mãe, os melhores anfitriões que conheci em toda a minha vida, sem dúvida alguma. Recebiam-me, com meus primos, Williams, Heider e Hedir, como se eu fosse o ser mais importante da Terra, numa total alegria. Era uma grande festa e, geralmente, duravam longos minutos de algazarra total. Eu me sentia um privilegiado, toda vez que entrava naquele paraíso. Para mim era um refúgio.
Eu gostava daquela cidade, sem saber que algo muito forte nos ligaria e que me marcaria, para sempre, de uma forma definitiva...
Naquela época, com 17 anos de idade, incompletos, eu faria aniversário no dia 16 de julho, era muito magro, pesava apenas 58 kg e tinha 1,72m de altura, era considerado alto, esguio, diferentemente de hoje em que sou considerado baixinho, pois, os altos, agora, ultrapassam 1,90m.
Como era de hábito, toda vez que eu chegava, naquela querida e inesquecível casa, após a algazarra de meus primos e os devidos cumprimentos, eu era conduzido, por eles, até um dos quartos, eram três, bem grandes e ficavam no andar superior, onde sempre, me apresentavam a minha cama, previamente arrumada, e deixavam minha mala, ao lado, para que eu trocasse a minha roupa, tomasse um banho e, em seguida, descesse para jantar. Esse ritual repetia-se cada vez que eu voltava à Lorena.
Nessa noite, jantamos uma maravilhosa torta de berinjela – minha tia sabia que era meu prato predileto – feita, especialmente, para mim...
A casa estava permanentemente em obra. Creio, até, que jamais foi terminada...
O quarto onde dormíamos, eu, o Williams e o Heider, dava para uma varanda, de saudosa lembrança...
Ali, vários anos depois, tive alguns bons encontros.
Para mim, aquela casa era um pedaço do paraíso...
Após o jantar, eu e o primo Williams, subimos para o quarto e, quando começávamos a colocar os assuntos em dia, ouvi uma linda voz, que vinha do rádio, cantando a canção que era um sucesso, na época, “Icaraí” : “Icaraííííí, na noite de luuua, sentada na ruuuua, me ponho a cantarrrr...” Enternecido, com aquela bela voz, perguntei ao meu primo se ele conhecia a dona daquela maravilha.
“Claro que conheço” respondeu-me: “Essa é uma menina que canta na rádio local de Lorena, chama-se Míriam.”
- Uma menina? Perguntei-lhe novamente.
- “Sim, ela é uma menina. Deve ter uns quinze anos.”
- Quinze anos? Você poderia me apresentar a essa joia?
- Claro, primo! Quando formos ao centro, passear na praça do chafariz, amanhã, se você der sorte, eu vou apresentá-la. Prepare-se!
Fiquei ali deitado, pensando nela, de como era linda a sua voz, e ao som do programa adormeci.
No dia seguinte, era um sábado, por volta das 19h00min, meus primos e meus tios convidaram-me para ir ao Centro, passear na praça principal da cidade, onde havia um chafariz, cujos esguichos iluminados variavam formando lindos desenhos, como se as águas bailassem, acompanhando o som da retreta militar – orquestra formada por músicos do batalhão do Exército (5º RI) da cidade – que tocava, sem parar, num coreto ao lado, músicas dos famosos “band leeders” americanos, dos anos 30 e 40, Gleen Miller, por exemplo. Naquele momento, eu me sentia o homem mais feliz do mundo. Tudo aquilo era de uma beleza inenarrável. Eu que nasci e me criei no Rio de Janeiro, jamais havia visto algo tão belo e singelo. A cidade fervilhava em torno de uma praça. Adultos, jovens e crianças, passeavam na calçada em torno daquela que era a praça, principal. Os homens desacompanhados, como se tivessem combinado, andavam numa direção e as mulheres na direção contrária, faziam o footing, como chamavam, permitindo que se admirassem e se escolhessem, cumprindo o ritual de exibição, do macho e da fêmea, como qualquer animal, mesmo o mais racional. Era uma coisa linda de se ver, romântica, arrebatadora!!! Para mim, vindo de uma metrópole, aquilo tudo parecia de uma delicadeza que só as pessoas do interior seriam capazes de criar e fazer. E assim, envolvidos naquela atmosfera romântica, eu e meu primo, conversávamos e dávamos voltas na praça, ora, parando, para cumprimentar algum conhecido, ora para olhar uma linda menina que passava, lentamente, flertando audaciosamente conosco... Foi, quando, num desses momentos, meu primo Williams apertou-me o braço com força e falou baixinho: “Aquela menina que vem ali, de frente para nós, conversando com uma amiga, é a Míriam, a menina que desejavas conhecer.” Eu não acreditei no que estava fazendo, em seguida: Ao vê-la, meu coração acelerou e num ímpeto dirigi-me em sua direção e perguntei se podíamos conversar. Com sua permissão apresentei-me: Disse que eu era do Rio de Janeiro, carioca, e que, para ali, viera em férias escolares, estava hospedado na casa de meus tios e primos e na noite anterior eu a ouvira cantar, na rádio local, me apaixonara por sua voz o que me fez desejar conhecê-la... Para isso, eu já dera “milhares” de voltas na praça a sua procura. Ela sorriu e eu aproveitando a deixa, afoito como sempre, delicadamente, propus que ficássemos sozinhos, conseguindo, assim, afastá-la da amiga de quem nos despedimos agradecidos e ficamos passeando em volta da praça. Conversávamos sobre tudo e sobre nada... tentávamos apenas nos conhecer. Já na primeira volta ao seu lado eu sabia que ela seria a mulher da minha vida. A precocidade sempre fora meu forte, era a minha marca. Sua voz suave e delicada penetrava a minha alma e me arrebatava. Eu estava, definitivamente, encantado, totalmente apaixonado... ela era uma fada, só podia ser! Por que, meu Deus, eu tinha que morar tão longe daquela maravilha? Por que, em amor, as coisas têm, sempre, que ser tão difíceis e dolorosas? Eu já sofria, antecipadamente, a saudade da distância, antes mesmo de pedir-lhe para namorar. Eu era assim, sou assim...
As perguntas invadiam-me o cérebro fustigando-me, inquietando-me, eu tinha que dar um jeito naquilo, não podia perdê-la! Ela era a mulher da minha vida, eu tinha certeza! Eu estava pela primeira vez apaixonado, que maravilha, que fantástico o que acontecia com o meu coração, com o meu corpo! A ternura se apossara, tomara conta de mim e eu não tirava os olhos do rostinho dela. É linda a minha garota, eu pensara, já me considerando seu namorado e o mais feliz do mundo, ao seu lado. Ainda bem que eu os avisei, antes, sobre minha precocidade!
Com todo aquele sentimento se apossando de mim, com aqueles pensamentos e o fantasma da distância me assustando, esqueci-me de pedir-lhe que namorasse comigo, mas, enfim, lembrei-me! Temia não vê-la mais ou sabê-la de outro. Mas nada disso aconteceu... Estava escrito! Felizmente, ela aceitou me namorar e, por sorte, na minha primeira investida. Ela seria a minha primeira namorada, o meu primeiro, definitivo e inesquecível amor.
Demos, naquele momento, a partida para um namoro maravilhoso. Na volta, seguinte, ainda na praça, já estávamos de mãos dadas e toda a cidade já devia estar comentando que a Míriam, a cantora da rádio local, estava namorando um carioca...
Conversávamos, conversávamos sem parar, e cada vez mais eu me apaixonava pela menina. Ela me indagava sobre tudo. Não conhecia ainda o Rio e queria saber como era. Falava-me de sua paixão pela música e de sua pretensão em fazer carreira nacional como cantora de rádio. Enquanto falava, eu viajava na sua voz, encantado com sua beleza. Eu, soube muito tempo depois, ela também se apaixonara pela minha voz...
Ela era uma bela morena clara, de cabelos castanhos claros longos, olhos esverdeados, magra, com 1,60m de altura, seios pequenos, tudo o que eu sonhara... As horas passaram rápido, a praça esvaziara-se e, então, ela esboçou o primeiro desejo de ir embora. Pedi-lhe que me deixasse acompanhá-la até sua casa. Tendo aquiescido, contudo, alertou-me sobre os cuidados que deveríamos ter com o seu pai. Disse-me que ele era alcoólatra e, por isso, algumas vezes, era inconveniente e violento. Naquele momento, eu não temia coisa alguma. Por ela, arriscaria a própria vida, se fosse necessário. Eu, finalmente, estava apaixonado, completamente apaixonado. Tivera a sorte de escolher a garota que eu desejava e por ela ser correspondido e disso eu não abriria mão. Ela seria minha, para sempre!
Despedimo-nos na porta de sua casa, onde fui apresentado à sua mãe, pessoa simples, muito educada, que gentilmente me recebeu e avisou-me: “Se você quer namorar minha filha, tudo bem, eu concordo, mas tem que ser escondido do pai dela e o melhor lugar para isso é o portão da nossa casa. Aqui é o único lugar em que ele jamais está”
Assim fizemos, durante todo o período do nosso namoro, sem nunca termos sido molestados. Eu o vi apenas uma vez em que, inclusive, tive tempo suficiente de me despedir e de me afastar, sem ser notado.
Marcamos encontro para o dia seguinte. Eu havia dito para ela que gostava muito de dançar e como ela também gostava, combinamos, então, nos encontrar, no dia seguinte, domingo, na tarde dançante do Ginásio Estadual da cidade. No mesmo colégio em que, meus primos e ela própria, estudavam. Despedi-me com um beijo em seu rosto e fui a pé para casa. Eu flutuava de tanta felicidade! Sentir o prazer, da primeira paixão, da primeira conquista, do primeiro amor, o verdadeiro, saber-me competente, ter vencido uma das etapas mais importantes da vida de um adolescente. Eu exultava! Eu era feliz e sabia o porquê daquilo tudo. Tinha consciência de que algo de bom, muito lindo, acontecera em minha vida. Senti-me mais homem e, pela primeira vez, dei saltos de alegria, pulei, falei comigo mesmo, sorri e gritei de felicidade, bem alto, seu nome: Míriam, Míriam, como é belo seu nome, meu amor, como você é linda!
Cheguei à casa, exausto, mas extremamente feliz. Esperava-me meu tio que me ofereceu um rápido lanche e depois de agradecer-lhe fui me deitar. Todos dormiam, passara da meia noite. Embalado em meus pensamentos e em toda aquela felicidade, sentindo, ainda, o seu cheiro em minhas mãos e braços, pensando nela, adormeci... Dormi o sono dos justos, o primeiro e merecido descanso do guerreiro, do verdadeiro Homem. No dia seguinte, ao acordar, ansioso, dei início a contagem regressiva do tempo que faltava para o nosso reencontro... Jamais as horas demoraram tanto a passar. Mas, felizmente, a hora chegou e, pontualmente, ingressei no salão do colégio. Vestia um terno jaquetão de gabardine marrom, gravata, camisa engomada, sapatos marrons bem engraxados. Vesti-me bem. A época exigia que assim fosse. Corri um olhar pelo salão e exultei quando a vi sentada, aguardando-me. Estava numa mesa, acompanhada de algumas amigas. Logo que me viu, veio em minha direção. Aproximei-me, então, agora não mais de um sonho, de uma voz, mas de uma realidade, a mais bela, a minha namorada, a primeira que a nossa inocência, ingenuidade e inexperiência, já exigiam ser a única. Ela me completava. Ia ao seu encontro, mas não andava em sua direção, eu flutuava embevecido. Com grande alegria no coração e uma felicidade imensa que se denunciavam, com certeza, no rosto e no brilho intenso dos meus olhos. Beijei-a delicadamente no rosto e conduzi-a pelo braço a uma das mesas do salão que, prévia e estrategicamente, havia escolhido. Ela estava linda! Bem penteada, vestia um vestido verde claro, piscina, de organza, godê, muito bonito, que ia, até, abaixo do joelho; calçava sapatos, pretos, ligeiramente altos. Pintara os lábios numa cor vermelha, discreta. Perfumara-se, levemente, com uma fragrância inesquecível... Ela estava perfeita, linda e eu não me cansava de admirá-la. Eu estava irremediavelmente apaixonado.
Naquela época, a minha fama de bom dançarino, todos, do bairro onde eu residia, conheciam, chamavam-me “pé de valsa”. Isso me dava a certeza de que esse fator facilitaria a conquista definitiva da minha namorada. Ela já tinha elogiado a minha voz. Disse-me que a minha voz era bonita, grave, forte, voz de locutor e que a agradava muito. Portanto, agora só faltava ela conhecer minha melhor faceta, a de dançarino. Enquanto conversávamos, bebíamos refrigerantes e ouvíamos o som da vitrola que tocava, seguidamente, boleros, mambos, swing, blues, jazz etc... Eu estava ansioso para dançar, mas queria que fosse, a minha primeira vez com ela, através de uma música que marcasse, de forma indelével, aquele momento. Que fosse, para sempre a nossa música... Valeu a pena esperar! De repente, invadiu-nos o som maravilhoso de Gleen Miller com sua música imortal, “Adios”. Levantei-me de imediato e a conduzi até o salão em meus braços... Enlacei-a pela cintura e começamos a dançar de rostos colados. Para minha surpresa ela era excelente dançarina, uma verdadeira “partner”. Dançava divinamente. O momento era perfeito, a música era linda, minha namorada era maravilhosa, o quê mais eu poderia querer? Ela me completava e eu exultava de felicidade. Dançamos inúmeras vezes, bem agarradinhos e fizemos juras de amor eterno. Quando fomos presenteados com a repetição da música “Adios” balbuciei em seus ouvidos:
- Amor, se você concordar, essa será, para sempre, a nossa música. Aquela que, ao ouvirmos, estejamos onde estivermos nos fará lembrar, com saudade, um do outro. Ela concordou, com sua voz doce, suave:
- É claro, amor, eu já havia pensado nisso e acho que você foi muito feliz na escolha. Eu gosto de tudo que o Gleen Miller toca. Ele é perfeito, não acha?
- Também acho, eis porque fico feliz que tenha gostado da escolha. Então, “Adios” a partir de hoje será a nossa música...
Ficamos nos olhando e nos acariciando e antes de voltarmos a dançar, novamente, levei-a até uma das varandas e, lá, beijei-a na boca. Ela correspondeu intensamente, abandonando-se em meus braços. Foi nosso primeiro beijo e o primeiro de nossas vidas. Ambos, jamais tínhamos beijado, antes, quem quer que fosse (éramos “BV” - bocas virgens). O quê sentíamos era tão maravilhoso que, não existiriam palavras, em nosso vernáculo, para descrever a intensa emoção que nos dominou. Permanecemos, durante longo tempo, extasiados e parecia que jamais descolaríamos nossas bocas. Nossas salivas quentes alimentavam nossas fantasias e faziam-nos ingressar num estado de excitação e êxtase totais. Esquecemo-nos do mundo e se não fosse alguém entrar na varanda, certamente, permaneceríamos, para sempre ali, até sermos flagrados. Por isso, apressamo-nos em voltar para o salão, como se nada houvesse acontecido e nos amamos, agora, discretamente, apenas nos olhando e nos tocando nas mãos, falando baixinho os nossos sentimentos... Às 22h00min, quando o baile encerrou, levei-a até sua casa. Andávamos devagar e, de vez em quando, parávamos para nos beijar. Como era maravilhoso, o nosso beijo!
Jamais uma tarde/noite passou tão rapidamente. Despedimo-nos no portão, com um rápido beijo e juras de amor eterno. Aguardei que ela entrasse e me afastei com a minha alma em festa..
.
Assim, passamos os dias de nossas férias: dançando; indo ao cinema na cidade; passeando de mãos dadas; beijando muito e nos acarinhando... Éramos intensamente felizes e tudo era perfeito, não fosse a necessidade que eu tinha de voltar para o Rio.
Durante dois anos, mantivemos o nosso amor vivo, através de uma correspondência, mútua... Escrevíamos todos os dias, inclusive aos sábados e domingos e na segunda-feira colocávamos três cartas no Correio. As dela eram perfumadas e coloridas. As mais lindas que recebi em toda a minha vida. Eu era intensamente feliz, apesar da distância. Supríamos a nossa ausência, com as confissões de amor nas cartas e tudo caminhava corretamente para um desfecho feliz. Até que, um dia, alguém se interpôs em nossas vidas...
Eu costumava visitar o meu amor nos trinta dias das férias de junho, nos noventa dias das férias de final de ano e nos feriados prolongados, todos os anos, portanto, agora que era feriado de semana santa, eu estava partindo para Lorena, em direção à felicidade total, acompanhado de um primo, que morava no Rio, o Zorohar Menezes. Como ele era um grande violonista, da Rádio Nacional do Rio, tendo, inclusive, participado da dupla Xexéu e Frazão, convidei-o para conhecer o meu amor, pois imaginei ser possível que ele a apresentasse, espontaneamente, na estação de rádio, onde militava, após ouvi-la. Assim, tendo aceitado meu convite, partimos, dias depois, num ônibus da Viação Pássaro Marrom, para Lorena. Após cinco horas de viagem chegamos à cidade. Eram 17h00min., aproximadamente, quando entramos na casa de meus tios. Pela primeira vez, fui recebido sem festa, sem aquela alegria de sempre, mas jamais poderia imaginar o inferno que, se avizinhava, da minha vida...
Minha tia, muito séria, mal eu havia arriado minha valise no chão da sala, beijou-me e em seguida deu a notícia trágica:
- Meu sobrinho, infelizmente, eu tenho uma péssima notícia para te dar.
- Fala minha tia.
- Bem, é difícil, mas você vai ter que saber de qualquer maneira e antes que saiba, por outra pessoa, eu prefiro contar: Eu vi sua namorada, a Míriam, na semana passada, beijando um “carinha”, na boca...
Fez-se um silêncio total, na sala. Parecia que eu tinha levado um soco no estômago. Perdi a respiração, fiquei zonzo, e sem querer demonstrar meu sofrimento, peguei minha mala e subi para o quarto, sendo seguido por meu primo Zorohar que, me vendo lívido, com os olhos cheio de lágrimas, pois as duas mãos em meus ombros e disse-me:
- Jan, meu primo, não se precipite. Descanse, hoje, amanhã você conversa com ela. Nem sempre o que se ouve ou se vê é verdadeiro...
Hoje, lembrando o quê meu primo dissera, naquela tarde, aquelas sábias palavras, proferidas como um acalento arrependo-me, amargamente, de não lhe ter dado atenção e das bobagens que fiz, em seguida...
A dor era insuportável! Chorei durante toda a noite, sem entender o que estava acontecendo e uma pergunta tomava conta da minha mente insone: “O que foi que aconteceu? Ainda esta semana, ela me mandou cartas lindíssimas. O que está acontecendo meu Deus? Eu amo tanto essa menina, que farei agora da minha vida?” Parecia que o mundo desabara sobre minha cabeça.
Eu a acostumara a, tão logo chegava, correr para vê-la. Numa cidade pequena todos os olhares se voltam para as conduções que chegam do Rio. Alguém deve ter-me visto e a avisou.
No dia seguinte, sem procura-la fui ao baile do Colégio estadual onde sempre nos encontrávamos. Ao chegar vi no salão a melhor amiga da Míriam, Narciléa. Tendo me dirigido em sua direção, convidei-a para dançar. Ela aquiesceu e quando dançávamos, pedi-lhe que namorasse comigo. Ela olhou-me assustada e disse:
- Jan, não estou entendendo nada, afinal você é o namorado da minha melhor amiga, por que isso agora?
- Muito simples! Eu não namoro mais com ela e quero namorar com você.
- Você deve estar louco, a Míriam sabe disso? Ela é minha melhor amiga e eu, jamais, namoraria com você. Afastando-se de mim, apontou para uma das portas do salão e disse: olha a Míriam lá na porta!
Nesse instante, minha namorada aproximou-se da gente e dirigindo-se a mim disse baixinho:
- Jan o quê está acontecendo, por que não foi me buscar em casa nem ontem nem hoje?
- Espera-me lá na porta que eu vou te explicar...
Foi quando Narciléa afastando-se falou:
- Não, vocês vão conversar agora. Boa sorte amiga!
Nesse momento, agarrei no braço da minha namorada e conduzi-a para fora do salão. Então lhe disse:
- Vou te levar para casa e te devolver à tua mãe, pois a partir de hoje nosso namoro terminou.
- Você enlouqueceu amor, o quê foi que eu fiz?
- Minha tia Celina viu você beijando a boca de um “carinha” na praça...
Ela desesperada, chorando copiosamente, falou soluçando:
- Amor isso é mentira, eu amo você e jamais faria isso!
- Míriam, não adianta, minha tia me adora e jamais inventaria uma estória como essa, nosso namoro terminou! Puxando-a, conduzi-a até sua casa e lá chegando fomos recebidos por sua mãe que assustada indagou-me:
- O quê foi que aconteceu, por que minha filha está chorando tão desesperada?
Relatei-lhe tudo que minha tia havia me contado e nesse momento tive uma surpresa, ela mais desesperada ainda, declarou:
- Sua tia deve ser uma louca! Minha filha te ama muito e jamais, jamais, entendeu, faria isso?
- Sinto muito senhora, minha tia me adora e jamais inventaria uma calúnia dessas! Nosso namoro está terminado, sinto muito!
Em seguida me afastei rápido e soluçando fui para casa. Lá fui recebido pelo meu primo Zorohar que muito zangado disse:
- Cara, você fez a maior bobagem da sua vida espero que não se arrependa!
Nesse momento, ainda assustado, tomei uma decisão, pensei: amanhã, pela manhã, voltarei no trem de aço para casa no Rio de Janeiro e chorando, copiosamente, passei a noite insone...
No dia seguinte, arrumei minhas malas e parti para a estação do trem. Sem poder impedir, fui acompanhado, silenciosamente, pela minha tia e por meus primos menores. Quando já estávamos na estação, fui surpreendido pela chegada da Míriam que se dirigindo em direção da minha tia Celina, ajoelhou-se aos seus pés, chorando muito, agarrou-se à sua cintura e implorou-lhe:
- Por Deus, dona Celina, diga para o meu namorado que a senhora mentiu!
Minha tia com os olhos cheio de lágrimas, encarando-me, disse:
- Meu sobrinho atendendo um pedido da sua mãe que, está com receio de que você não passe no concurso para a EPCAR, pediu-me para inventar uma estória para terminar o seu namoro... Por favor, perdoe-me!
- Sinto muito minha tia, peça perdão a Deus, pois eu não sou ninguém para perdoá-la, a senhora acabou com as nossas vidas.
Em seguida, dei a mão a minha namorada, levantei-a, beijei-a no rosto e olhando em seus olhos disse-lhe:
- Querida, eu fui um covarde, não acreditei nem em você, nem no nosso amor, não mereço o seu perdão, por isso querida, mantenho a minha infeliz posição porque tenho certeza que um dia você esfregará na minha cara tudo isso e eu acho que não estará errada. Não merecíamos isso, mas aconteceu, seja feliz, querida com alguém mais digno e que confie em você...
Nesse momento, o meu trem chegou, beijei, então, novamente o rosto da minha namorada, e sem me despedir dos outros entrei no trem de aço, procurei um lugar discreto, sentei-me, cobri meu rosto com o meu paletó e chorei copiosamente até chegar ao Rio. Jamais, senti tanta infelicidade, como naquele dia, que eu durante todos esses anos, jamais superei.
Nunca me dirigi a minha mãe para reclamar a sua grave calúnia, mesmo porque não conseguiria perdoá-la. Entretanto, muitos anos depois, relatei toda aquela estória, que até hoje me faz sofrer, à sua cuidadora, em sua presença, sentado diante dela, em sua sala. Em nenhum momento em que relatei o meu sofrimento, minha mãe olhou em meus olhos. Duas horas depois ela faleceu. Senti-me mais leve e nunca a perdoei, porque durante toda a minha vida sofri muito e ainda sofro por isso.
Minha tia Celina, antes de falecer, sofria da doença Alzheimer e já com a mente totalmente destruída, não falava, nem reconhecia mais ninguém. Eu ao visitar minha prima, sua filha, Hedir, em sua casa, em S. José dos Campos, ela levou-me até o quarto da minha tia e dirigindo-se a ela perguntou:
- Mãe a senhora conhece esse amigo que está nos visitando, como é o nome dele?
Ela me olhou com a fisionomia totalmente destruída pela doença e falou, para surpresa de todos: é o Janil, baixou os olhos e emudeceu, novamente.
Percebi que a minha presença tinha libertado minha tia do remorso que carregou pelo resto de sua vida...
Minha estória com a Míriam não terminou naquele dia.
Certa vez, voltando de uma viagem a Europa, eu era oficial da Marinha Mercante, sabedor de que ela se casaria, viajei imediatamente para Lorena, num momento de fraqueza, para encontra-la e em lá chegando procurei a nossa amiga Narciléa e antes que ela me repreendesse pedi-lhe:
- Por favor, onde eu posso encontrar a Míriam?
Ela, gentilmente, apontou para cima e disse: no salão de baile, na companhia do noivo...
Subi, imediatamente, e ao adentar o salão vislumbrei a mulher da minha vida sentada ao lado do seu noivo: Dirigi-me, então, ao rapaz e pedi-lhe permissão para dançar com ela. Permissão concedida, puxei-a pela mão e conduzi-a até o salão, onde começamos a dançar um bolero. Lentamente, levei-a para o outro lado e, emocionado, perguntei-lhe, baixinho, se ainda me amava e ela admitiu que sim, então lhe propus que fugisse comigo na madrugada daquele dia. Ela assustada, disse-me:
- Jan eu te amo muito ainda, mas não posso causar uma decepção, como essa, a minha família. Não posso Jan, os convites já foram entregues e me caso dentro de quatro dias, seria uma irresponsabilidade, perdoa-me, mas te amarei por toda a minha vida!
A música chegara ao fim e antes de leva-la de volta à mesa, desesperado, impensadamente, disse-lhe que nunca mais a procuraria.
Passaram-se os anos, numa volta de uma viagem à Itália, ao chegar a Salvador, peguei um táxi e fui até a residência do meu amigo Sepúlveda, ex-colega da EPCAR, para entregar-lhe a encomenda que me fizera, em visita anterior, um sapato “mocassim” italiano. Meu amigo recebeu-me alegremente por ter-lhe presenteado com a encomenda. Quando começamos a conversar, adentrou na sala uma moça, muito bonita, que ao ouvir meu nome, quando lhe fui apresentado, disse-me:
- Não existem muitos homens no mundo chamado Janil e eu tenho uma amiga que repete feito um mantra, esse nome, diariamente:
- Eu amo o Janil, amiga, eu amo o Janil!
- Todos os dias, meu caro, ele faz o filho dormir ninando-o ao som da música de Gleen Miller, ADIOS, que ela diz para mim ter sido a música “do nosso amor”, referindo-se ao Janil. É você não é? Se for, diga-me o nome dela...
- O nome dela é Míriam. Mas, querida, não vou me permitir visita-la. Certa vez, tentei acabar com o seu casamento, não consegui! Agora que ela tem um filho não farei isso, desculpa-me!
- Por favor, Janil, atenda o meu pedido!
- Sinto muito, querida, perdoa-me, mas não poderei te atender, ambos, agora, temos família, filhos, não vale a pena, destruirmos a vida dessas crianças! Diga-lhe, por favor, que eu ainda a amo como no primeiro dia em que a conheci. Eu a amo muito, ainda, muito mais agora, depois do que você, generosamente, me contou, obrigado!
Os anos se passaram, certa vez, ao voltar de uma viagem ao exterior, havia chegado da Europa, estranhei o fato da minha mulher não vir para nossa cama. Levantei-me e fui perguntar-lhe qual era o motivo de não ir para cama e ela respondeu-me:
- Estou tomando coragem para te dar uma notícia trágica!
Aguarda-me, já vou, não me demorarei mais...
Ao ouvir aquilo, sabendo o quanto sou emotivo e chorão, parti para o quarto e apaguei a luz, tentando esconder o óbvio...
Minha mulher entrou no quarto e sem dó nem piedade comunicou-me:
- A Míriam foi assassinada pelo marido!
A dor que senti foi tão intensa que eu saí correndo do quarto, entrei no banheiro abri o chuveiro na água fria enfiei na boca uma toalha, para que ninguém me ouvisse, e gritei sem parar, urrei de tanta dor...
Quando voltei do banheiro, minha esposa dormia, aproveitei seu sono pesado, vesti-me rápido, já era madrugada quando saí de casa, peguei um táxi, fui para rodoviária Novo Rio peguei um ônibus, da empresa Pássaro Marrom e fui para Lorena. Quando cheguei lá procurei imediatamente a Narciléa e ao nos encontrarmos nos abraçamos chorando.
Foi então que ela me contou:
- Querido, minha amiga antes de morrer ficou comigo até às 23h00min e durante todo o tempo só falava em você e o quanto ainda o amava...
F I M
CALÚNIA
(pensamento escrito por jlc – jan)
A calúnia é a pior e mais temida agressão moral, que um ser humano pode sofrer, com horríveis consequências físicas e psíquicas, devastadoras, muitas vezes irreversíveis. Exemplo de uma delas: o luto permanente, descrito por psicólogos e psicanalistas...
Coincidentemente, hoje, recebi, por e-mail, a foto dela. Enviou-me uma amiga internauta de Lorena, S.Paulo, a Mari, cuja mãe, foi colega de colégio da mãe da minha primeira namorada. Olhando-a, remeti-me ao passado.
Num dia qualquer do mês de junho, eu chegava a Lorena. Vinha do Rio para passar minhas férias de meio do ano. Eram trinta dias de inteira felicidade, passados na casa de meus tios, Adolfo e Celina, irmã de minha mãe, os melhores anfitriões que conheci em toda a minha vida, sem dúvida alguma. Recebiam-me, com meus primos, Williams, Heider e Hedir, como se eu fosse o ser mais importante da Terra, numa total alegria. Era uma grande festa e, geralmente, duravam longos minutos de algazarra total. Eu me sentia um privilegiado, toda vez que entrava naquele paraíso. Para mim era um refúgio.
Eu gostava daquela cidade, sem saber que algo muito forte nos ligaria e que me marcaria, para sempre, de uma forma definitiva...
Naquela época, com 17 anos de idade, incompletos, eu faria aniversário no dia 16 de julho, era muito magro, pesava apenas 58 kg e tinha 1,72m de altura, era considerado alto, esguio, diferentemente de hoje em que sou considerado baixinho, pois, os altos, agora, ultrapassam 1,90m.
Como era de hábito, toda vez que eu chegava, naquela querida e inesquecível casa, após a algazarra de meus primos e os devidos cumprimentos, eu era conduzido, por eles, até um dos quartos, eram três, bem grandes e ficavam no andar superior, onde sempre, me apresentavam a minha cama, previamente arrumada, e deixavam minha mala, ao lado, para que eu trocasse a minha roupa, tomasse um banho e, em seguida, descesse para jantar. Esse ritual repetia-se cada vez que eu voltava à Lorena.
Nessa noite, jantamos uma maravilhosa torta de berinjela – minha tia sabia que era meu prato predileto – feita, especialmente, para mim...
A casa estava permanentemente em obra. Creio, até, que jamais foi terminada...
O quarto onde dormíamos, eu, o Williams e o Heider, dava para uma varanda, de saudosa lembrança...
Ali, vários anos depois, tive alguns bons encontros.
Para mim, aquela casa era um pedaço do paraíso...
Após o jantar, eu e o primo Williams, subimos para o quarto e, quando começávamos a colocar os assuntos em dia, ouvi uma linda voz, que vinha do rádio, cantando a canção que era um sucesso, na época, “Icaraí” : “Icaraííííí, na noite de luuua, sentada na ruuuua, me ponho a cantarrrr...” Enternecido, com aquela bela voz, perguntei ao meu primo se ele conhecia a dona daquela maravilha.
“Claro que conheço” respondeu-me: “Essa é uma menina que canta na rádio local de Lorena, chama-se Míriam.”
- Uma menina? Perguntei-lhe novamente.
- “Sim, ela é uma menina. Deve ter uns quinze anos.”
- Quinze anos? Você poderia me apresentar a essa joia?
- Claro, primo! Quando formos ao centro, passear na praça do chafariz, amanhã, se você der sorte, eu vou apresentá-la. Prepare-se!
Fiquei ali deitado, pensando nela, de como era linda a sua voz, e ao som do programa adormeci.
No dia seguinte, era um sábado, por volta das 19h00min, meus primos e meus tios convidaram-me para ir ao Centro, passear na praça principal da cidade, onde havia um chafariz, cujos esguichos iluminados variavam formando lindos desenhos, como se as águas bailassem, acompanhando o som da retreta militar – orquestra formada por músicos do batalhão do Exército (5º RI) da cidade – que tocava, sem parar, num coreto ao lado, músicas dos famosos “band leeders” americanos, dos anos 30 e 40, Gleen Miller, por exemplo. Naquele momento, eu me sentia o homem mais feliz do mundo. Tudo aquilo era de uma beleza inenarrável. Eu que nasci e me criei no Rio de Janeiro, jamais havia visto algo tão belo e singelo. A cidade fervilhava em torno de uma praça. Adultos, jovens e crianças, passeavam na calçada em torno daquela que era a praça, principal. Os homens desacompanhados, como se tivessem combinado, andavam numa direção e as mulheres na direção contrária, faziam o footing, como chamavam, permitindo que se admirassem e se escolhessem, cumprindo o ritual de exibição, do macho e da fêmea, como qualquer animal, mesmo o mais racional. Era uma coisa linda de se ver, romântica, arrebatadora!!! Para mim, vindo de uma metrópole, aquilo tudo parecia de uma delicadeza que só as pessoas do interior seriam capazes de criar e fazer. E assim, envolvidos naquela atmosfera romântica, eu e meu primo, conversávamos e dávamos voltas na praça, ora, parando, para cumprimentar algum conhecido, ora para olhar uma linda menina que passava, lentamente, flertando audaciosamente conosco... Foi, quando, num desses momentos, meu primo Williams apertou-me o braço com força e falou baixinho: “Aquela menina que vem ali, de frente para nós, conversando com uma amiga, é a Míriam, a menina que desejavas conhecer.” Eu não acreditei no que estava fazendo, em seguida: Ao vê-la, meu coração acelerou e num ímpeto dirigi-me em sua direção e perguntei se podíamos conversar. Com sua permissão apresentei-me: Disse que eu era do Rio de Janeiro, carioca, e que, para ali, viera em férias escolares, estava hospedado na casa de meus tios e primos e na noite anterior eu a ouvira cantar, na rádio local, me apaixonara por sua voz o que me fez desejar conhecê-la... Para isso, eu já dera “milhares” de voltas na praça a sua procura. Ela sorriu e eu aproveitando a deixa, afoito como sempre, delicadamente, propus que ficássemos sozinhos, conseguindo, assim, afastá-la da amiga de quem nos despedimos agradecidos e ficamos passeando em volta da praça. Conversávamos sobre tudo e sobre nada... tentávamos apenas nos conhecer. Já na primeira volta ao seu lado eu sabia que ela seria a mulher da minha vida. A precocidade sempre fora meu forte, era a minha marca. Sua voz suave e delicada penetrava a minha alma e me arrebatava. Eu estava, definitivamente, encantado, totalmente apaixonado... ela era uma fada, só podia ser! Por que, meu Deus, eu tinha que morar tão longe daquela maravilha? Por que, em amor, as coisas têm, sempre, que ser tão difíceis e dolorosas? Eu já sofria, antecipadamente, a saudade da distância, antes mesmo de pedir-lhe para namorar. Eu era assim, sou assim...
As perguntas invadiam-me o cérebro fustigando-me, inquietando-me, eu tinha que dar um jeito naquilo, não podia perdê-la! Ela era a mulher da minha vida, eu tinha certeza! Eu estava pela primeira vez apaixonado, que maravilha, que fantástico o que acontecia com o meu coração, com o meu corpo! A ternura se apossara, tomara conta de mim e eu não tirava os olhos do rostinho dela. É linda a minha garota, eu pensara, já me considerando seu namorado e o mais feliz do mundo, ao seu lado. Ainda bem que eu os avisei, antes, sobre minha precocidade!
Com todo aquele sentimento se apossando de mim, com aqueles pensamentos e o fantasma da distância me assustando, esqueci-me de pedir-lhe que namorasse comigo, mas, enfim, lembrei-me! Temia não vê-la mais ou sabê-la de outro. Mas nada disso aconteceu... Estava escrito! Felizmente, ela aceitou me namorar e, por sorte, na minha primeira investida. Ela seria a minha primeira namorada, o meu primeiro, definitivo e inesquecível amor.
Demos, naquele momento, a partida para um namoro maravilhoso. Na volta, seguinte, ainda na praça, já estávamos de mãos dadas e toda a cidade já devia estar comentando que a Míriam, a cantora da rádio local, estava namorando um carioca...
Conversávamos, conversávamos sem parar, e cada vez mais eu me apaixonava pela menina. Ela me indagava sobre tudo. Não conhecia ainda o Rio e queria saber como era. Falava-me de sua paixão pela música e de sua pretensão em fazer carreira nacional como cantora de rádio. Enquanto falava, eu viajava na sua voz, encantado com sua beleza. Eu, soube muito tempo depois, ela também se apaixonara pela minha voz...
Ela era uma bela morena clara, de cabelos castanhos claros longos, olhos esverdeados, magra, com 1,60m de altura, seios pequenos, tudo o que eu sonhara... As horas passaram rápido, a praça esvaziara-se e, então, ela esboçou o primeiro desejo de ir embora. Pedi-lhe que me deixasse acompanhá-la até sua casa. Tendo aquiescido, contudo, alertou-me sobre os cuidados que deveríamos ter com o seu pai. Disse-me que ele era alcoólatra e, por isso, algumas vezes, era inconveniente e violento. Naquele momento, eu não temia coisa alguma. Por ela, arriscaria a própria vida, se fosse necessário. Eu, finalmente, estava apaixonado, completamente apaixonado. Tivera a sorte de escolher a garota que eu desejava e por ela ser correspondido e disso eu não abriria mão. Ela seria minha, para sempre!
Despedimo-nos na porta de sua casa, onde fui apresentado à sua mãe, pessoa simples, muito educada, que gentilmente me recebeu e avisou-me: “Se você quer namorar minha filha, tudo bem, eu concordo, mas tem que ser escondido do pai dela e o melhor lugar para isso é o portão da nossa casa. Aqui é o único lugar em que ele jamais está”
Assim fizemos, durante todo o período do nosso namoro, sem nunca termos sido molestados. Eu o vi apenas uma vez em que, inclusive, tive tempo suficiente de me despedir e de me afastar, sem ser notado.
Marcamos encontro para o dia seguinte. Eu havia dito para ela que gostava muito de dançar e como ela também gostava, combinamos, então, nos encontrar, no dia seguinte, domingo, na tarde dançante do Ginásio Estadual da cidade. No mesmo colégio em que, meus primos e ela própria, estudavam. Despedi-me com um beijo em seu rosto e fui a pé para casa. Eu flutuava de tanta felicidade! Sentir o prazer, da primeira paixão, da primeira conquista, do primeiro amor, o verdadeiro, saber-me competente, ter vencido uma das etapas mais importantes da vida de um adolescente. Eu exultava! Eu era feliz e sabia o porquê daquilo tudo. Tinha consciência de que algo de bom, muito lindo, acontecera em minha vida. Senti-me mais homem e, pela primeira vez, dei saltos de alegria, pulei, falei comigo mesmo, sorri e gritei de felicidade, bem alto, seu nome: Míriam, Míriam, como é belo seu nome, meu amor, como você é linda!
Cheguei à casa, exausto, mas extremamente feliz. Esperava-me meu tio que me ofereceu um rápido lanche e depois de agradecer-lhe fui me deitar. Todos dormiam, passara da meia noite. Embalado em meus pensamentos e em toda aquela felicidade, sentindo, ainda, o seu cheiro em minhas mãos e braços, pensando nela, adormeci... Dormi o sono dos justos, o primeiro e merecido descanso do guerreiro, do verdadeiro Homem. No dia seguinte, ao acordar, ansioso, dei início a contagem regressiva do tempo que faltava para o nosso reencontro... Jamais as horas demoraram tanto a passar. Mas, felizmente, a hora chegou e, pontualmente, ingressei no salão do colégio. Vestia um terno jaquetão de gabardine marrom, gravata, camisa engomada, sapatos marrons bem engraxados. Vesti-me bem. A época exigia que assim fosse. Corri um olhar pelo salão e exultei quando a vi sentada, aguardando-me. Estava numa mesa, acompanhada de algumas amigas. Logo que me viu, veio em minha direção. Aproximei-me, então, agora não mais de um sonho, de uma voz, mas de uma realidade, a mais bela, a minha namorada, a primeira que a nossa inocência, ingenuidade e inexperiência, já exigiam ser a única. Ela me completava. Ia ao seu encontro, mas não andava em sua direção, eu flutuava embevecido. Com grande alegria no coração e uma felicidade imensa que se denunciavam, com certeza, no rosto e no brilho intenso dos meus olhos. Beijei-a delicadamente no rosto e conduzi-a pelo braço a uma das mesas do salão que, prévia e estrategicamente, havia escolhido. Ela estava linda! Bem penteada, vestia um vestido verde claro, piscina, de organza, godê, muito bonito, que ia, até, abaixo do joelho; calçava sapatos, pretos, ligeiramente altos. Pintara os lábios numa cor vermelha, discreta. Perfumara-se, levemente, com uma fragrância inesquecível... Ela estava perfeita, linda e eu não me cansava de admirá-la. Eu estava irremediavelmente apaixonado.
Naquela época, a minha fama de bom dançarino, todos, do bairro onde eu residia, conheciam, chamavam-me “pé de valsa”. Isso me dava a certeza de que esse fator facilitaria a conquista definitiva da minha namorada. Ela já tinha elogiado a minha voz. Disse-me que a minha voz era bonita, grave, forte, voz de locutor e que a agradava muito. Portanto, agora só faltava ela conhecer minha melhor faceta, a de dançarino. Enquanto conversávamos, bebíamos refrigerantes e ouvíamos o som da vitrola que tocava, seguidamente, boleros, mambos, swing, blues, jazz etc... Eu estava ansioso para dançar, mas queria que fosse, a minha primeira vez com ela, através de uma música que marcasse, de forma indelével, aquele momento. Que fosse, para sempre a nossa música... Valeu a pena esperar! De repente, invadiu-nos o som maravilhoso de Gleen Miller com sua música imortal, “Adios”. Levantei-me de imediato e a conduzi até o salão em meus braços... Enlacei-a pela cintura e começamos a dançar de rostos colados. Para minha surpresa ela era excelente dançarina, uma verdadeira “partner”. Dançava divinamente. O momento era perfeito, a música era linda, minha namorada era maravilhosa, o quê mais eu poderia querer? Ela me completava e eu exultava de felicidade. Dançamos inúmeras vezes, bem agarradinhos e fizemos juras de amor eterno. Quando fomos presenteados com a repetição da música “Adios” balbuciei em seus ouvidos:
- Amor, se você concordar, essa será, para sempre, a nossa música. Aquela que, ao ouvirmos, estejamos onde estivermos nos fará lembrar, com saudade, um do outro. Ela concordou, com sua voz doce, suave:
- É claro, amor, eu já havia pensado nisso e acho que você foi muito feliz na escolha. Eu gosto de tudo que o Gleen Miller toca. Ele é perfeito, não acha?
- Também acho, eis porque fico feliz que tenha gostado da escolha. Então, “Adios” a partir de hoje será a nossa música...
Ficamos nos olhando e nos acariciando e antes de voltarmos a dançar, novamente, levei-a até uma das varandas e, lá, beijei-a na boca. Ela correspondeu intensamente, abandonando-se em meus braços. Foi nosso primeiro beijo e o primeiro de nossas vidas. Ambos, jamais tínhamos beijado, antes, quem quer que fosse (éramos “BV” - bocas virgens). O quê sentíamos era tão maravilhoso que, não existiriam palavras, em nosso vernáculo, para descrever a intensa emoção que nos dominou. Permanecemos, durante longo tempo, extasiados e parecia que jamais descolaríamos nossas bocas. Nossas salivas quentes alimentavam nossas fantasias e faziam-nos ingressar num estado de excitação e êxtase totais. Esquecemo-nos do mundo e se não fosse alguém entrar na varanda, certamente, permaneceríamos, para sempre ali, até sermos flagrados. Por isso, apressamo-nos em voltar para o salão, como se nada houvesse acontecido e nos amamos, agora, discretamente, apenas nos olhando e nos tocando nas mãos, falando baixinho os nossos sentimentos... Às 22h00min, quando o baile encerrou, levei-a até sua casa. Andávamos devagar e, de vez em quando, parávamos para nos beijar. Como era maravilhoso, o nosso beijo!
Jamais uma tarde/noite passou tão rapidamente. Despedimo-nos no portão, com um rápido beijo e juras de amor eterno. Aguardei que ela entrasse e me afastei com a minha alma em festa..
.
Assim, passamos os dias de nossas férias: dançando; indo ao cinema na cidade; passeando de mãos dadas; beijando muito e nos acarinhando... Éramos intensamente felizes e tudo era perfeito, não fosse a necessidade que eu tinha de voltar para o Rio.
Durante dois anos, mantivemos o nosso amor vivo, através de uma correspondência, mútua... Escrevíamos todos os dias, inclusive aos sábados e domingos e na segunda-feira colocávamos três cartas no Correio. As dela eram perfumadas e coloridas. As mais lindas que recebi em toda a minha vida. Eu era intensamente feliz, apesar da distância. Supríamos a nossa ausência, com as confissões de amor nas cartas e tudo caminhava corretamente para um desfecho feliz. Até que, um dia, alguém se interpôs em nossas vidas...
Eu costumava visitar o meu amor nos trinta dias das férias de junho, nos noventa dias das férias de final de ano e nos feriados prolongados, todos os anos, portanto, agora que era feriado de semana santa, eu estava partindo para Lorena, em direção à felicidade total, acompanhado de um primo, que morava no Rio, o Zorohar Menezes. Como ele era um grande violonista, da Rádio Nacional do Rio, tendo, inclusive, participado da dupla Xexéu e Frazão, convidei-o para conhecer o meu amor, pois imaginei ser possível que ele a apresentasse, espontaneamente, na estação de rádio, onde militava, após ouvi-la. Assim, tendo aceitado meu convite, partimos, dias depois, num ônibus da Viação Pássaro Marrom, para Lorena. Após cinco horas de viagem chegamos à cidade. Eram 17h00min., aproximadamente, quando entramos na casa de meus tios. Pela primeira vez, fui recebido sem festa, sem aquela alegria de sempre, mas jamais poderia imaginar o inferno que, se avizinhava, da minha vida...
Minha tia, muito séria, mal eu havia arriado minha valise no chão da sala, beijou-me e em seguida deu a notícia trágica:
- Meu sobrinho, infelizmente, eu tenho uma péssima notícia para te dar.
- Fala minha tia.
- Bem, é difícil, mas você vai ter que saber de qualquer maneira e antes que saiba, por outra pessoa, eu prefiro contar: Eu vi sua namorada, a Míriam, na semana passada, beijando um “carinha”, na boca...
Fez-se um silêncio total, na sala. Parecia que eu tinha levado um soco no estômago. Perdi a respiração, fiquei zonzo, e sem querer demonstrar meu sofrimento, peguei minha mala e subi para o quarto, sendo seguido por meu primo Zorohar que, me vendo lívido, com os olhos cheio de lágrimas, pois as duas mãos em meus ombros e disse-me:
- Jan, meu primo, não se precipite. Descanse, hoje, amanhã você conversa com ela. Nem sempre o que se ouve ou se vê é verdadeiro...
Hoje, lembrando o quê meu primo dissera, naquela tarde, aquelas sábias palavras, proferidas como um acalento arrependo-me, amargamente, de não lhe ter dado atenção e das bobagens que fiz, em seguida...
A dor era insuportável! Chorei durante toda a noite, sem entender o que estava acontecendo e uma pergunta tomava conta da minha mente insone: “O que foi que aconteceu? Ainda esta semana, ela me mandou cartas lindíssimas. O que está acontecendo meu Deus? Eu amo tanto essa menina, que farei agora da minha vida?” Parecia que o mundo desabara sobre minha cabeça.
Eu a acostumara a, tão logo chegava, correr para vê-la. Numa cidade pequena todos os olhares se voltam para as conduções que chegam do Rio. Alguém deve ter-me visto e a avisou.
No dia seguinte, sem procura-la fui ao baile do Colégio estadual onde sempre nos encontrávamos. Ao chegar vi no salão a melhor amiga da Míriam, Narciléa. Tendo me dirigido em sua direção, convidei-a para dançar. Ela aquiesceu e quando dançávamos, pedi-lhe que namorasse comigo. Ela olhou-me assustada e disse:
- Jan, não estou entendendo nada, afinal você é o namorado da minha melhor amiga, por que isso agora?
- Muito simples! Eu não namoro mais com ela e quero namorar com você.
- Você deve estar louco, a Míriam sabe disso? Ela é minha melhor amiga e eu, jamais, namoraria com você. Afastando-se de mim, apontou para uma das portas do salão e disse: olha a Míriam lá na porta!
Nesse instante, minha namorada aproximou-se da gente e dirigindo-se a mim disse baixinho:
- Jan o quê está acontecendo, por que não foi me buscar em casa nem ontem nem hoje?
- Espera-me lá na porta que eu vou te explicar...
Foi quando Narciléa afastando-se falou:
- Não, vocês vão conversar agora. Boa sorte amiga!
Nesse momento, agarrei no braço da minha namorada e conduzi-a para fora do salão. Então lhe disse:
- Vou te levar para casa e te devolver à tua mãe, pois a partir de hoje nosso namoro terminou.
- Você enlouqueceu amor, o quê foi que eu fiz?
- Minha tia Celina viu você beijando a boca de um “carinha” na praça...
Ela desesperada, chorando copiosamente, falou soluçando:
- Amor isso é mentira, eu amo você e jamais faria isso!
- Míriam, não adianta, minha tia me adora e jamais inventaria uma estória como essa, nosso namoro terminou! Puxando-a, conduzi-a até sua casa e lá chegando fomos recebidos por sua mãe que assustada indagou-me:
- O quê foi que aconteceu, por que minha filha está chorando tão desesperada?
Relatei-lhe tudo que minha tia havia me contado e nesse momento tive uma surpresa, ela mais desesperada ainda, declarou:
- Sua tia deve ser uma louca! Minha filha te ama muito e jamais, jamais, entendeu, faria isso?
- Sinto muito senhora, minha tia me adora e jamais inventaria uma calúnia dessas! Nosso namoro está terminado, sinto muito!
Em seguida me afastei rápido e soluçando fui para casa. Lá fui recebido pelo meu primo Zorohar que muito zangado disse:
- Cara, você fez a maior bobagem da sua vida espero que não se arrependa!
Nesse momento, ainda assustado, tomei uma decisão, pensei: amanhã, pela manhã, voltarei no trem de aço para casa no Rio de Janeiro e chorando, copiosamente, passei a noite insone...
No dia seguinte, arrumei minhas malas e parti para a estação do trem. Sem poder impedir, fui acompanhado, silenciosamente, pela minha tia e por meus primos menores. Quando já estávamos na estação, fui surpreendido pela chegada da Míriam que se dirigindo em direção da minha tia Celina, ajoelhou-se aos seus pés, chorando muito, agarrou-se à sua cintura e implorou-lhe:
- Por Deus, dona Celina, diga para o meu namorado que a senhora mentiu!
Minha tia com os olhos cheio de lágrimas, encarando-me, disse:
- Meu sobrinho atendendo um pedido da sua mãe que, está com receio de que você não passe no concurso para a EPCAR, pediu-me para inventar uma estória para terminar o seu namoro... Por favor, perdoe-me!
- Sinto muito minha tia, peça perdão a Deus, pois eu não sou ninguém para perdoá-la, a senhora acabou com as nossas vidas.
Em seguida, dei a mão a minha namorada, levantei-a, beijei-a no rosto e olhando em seus olhos disse-lhe:
- Querida, eu fui um covarde, não acreditei nem em você, nem no nosso amor, não mereço o seu perdão, por isso querida, mantenho a minha infeliz posição porque tenho certeza que um dia você esfregará na minha cara tudo isso e eu acho que não estará errada. Não merecíamos isso, mas aconteceu, seja feliz, querida com alguém mais digno e que confie em você...
Nesse momento, o meu trem chegou, beijei, então, novamente o rosto da minha namorada, e sem me despedir dos outros entrei no trem de aço, procurei um lugar discreto, sentei-me, cobri meu rosto com o meu paletó e chorei copiosamente até chegar ao Rio. Jamais, senti tanta infelicidade, como naquele dia, que eu durante todos esses anos, jamais superei.
Nunca me dirigi a minha mãe para reclamar a sua grave calúnia, mesmo porque não conseguiria perdoá-la. Entretanto, muitos anos depois, relatei toda aquela estória, que até hoje me faz sofrer, à sua cuidadora, em sua presença, sentado diante dela, em sua sala. Em nenhum momento em que relatei o meu sofrimento, minha mãe olhou em meus olhos. Duas horas depois ela faleceu. Senti-me mais leve e nunca a perdoei, porque durante toda a minha vida sofri muito e ainda sofro por isso.
Minha tia Celina, antes de falecer, sofria da doença Alzheimer e já com a mente totalmente destruída, não falava, nem reconhecia mais ninguém. Eu ao visitar minha prima, sua filha, Hedir, em sua casa, em S. José dos Campos, ela levou-me até o quarto da minha tia e dirigindo-se a ela perguntou:
- Mãe a senhora conhece esse amigo que está nos visitando, como é o nome dele?
Ela me olhou com a fisionomia totalmente destruída pela doença e falou, para surpresa de todos: é o Janil, baixou os olhos e emudeceu, novamente.
Percebi que a minha presença tinha libertado minha tia do remorso que carregou pelo resto de sua vida...
Minha estória com a Míriam não terminou naquele dia.
Certa vez, voltando de uma viagem a Europa, eu era oficial da Marinha Mercante, sabedor de que ela se casaria, viajei imediatamente para Lorena, num momento de fraqueza, para encontra-la e em lá chegando procurei a nossa amiga Narciléa e antes que ela me repreendesse pedi-lhe:
- Por favor, onde eu posso encontrar a Míriam?
Ela, gentilmente, apontou para cima e disse: no salão de baile, na companhia do noivo...
Subi, imediatamente, e ao adentar o salão vislumbrei a mulher da minha vida sentada ao lado do seu noivo: Dirigi-me, então, ao rapaz e pedi-lhe permissão para dançar com ela. Permissão concedida, puxei-a pela mão e conduzi-a até o salão, onde começamos a dançar um bolero. Lentamente, levei-a para o outro lado e, emocionado, perguntei-lhe, baixinho, se ainda me amava e ela admitiu que sim, então lhe propus que fugisse comigo na madrugada daquele dia. Ela assustada, disse-me:
- Jan eu te amo muito ainda, mas não posso causar uma decepção, como essa, a minha família. Não posso Jan, os convites já foram entregues e me caso dentro de quatro dias, seria uma irresponsabilidade, perdoa-me, mas te amarei por toda a minha vida!
A música chegara ao fim e antes de leva-la de volta à mesa, desesperado, impensadamente, disse-lhe que nunca mais a procuraria.
Passaram-se os anos, numa volta de uma viagem à Itália, ao chegar a Salvador, peguei um táxi e fui até a residência do meu amigo Sepúlveda, ex-colega da EPCAR, para entregar-lhe a encomenda que me fizera, em visita anterior, um sapato “mocassim” italiano. Meu amigo recebeu-me alegremente por ter-lhe presenteado com a encomenda. Quando começamos a conversar, adentrou na sala uma moça, muito bonita, que ao ouvir meu nome, quando lhe fui apresentado, disse-me:
- Não existem muitos homens no mundo chamado Janil e eu tenho uma amiga que repete feito um mantra, esse nome, diariamente:
- Eu amo o Janil, amiga, eu amo o Janil!
- Todos os dias, meu caro, ele faz o filho dormir ninando-o ao som da música de Gleen Miller, ADIOS, que ela diz para mim ter sido a música “do nosso amor”, referindo-se ao Janil. É você não é? Se for, diga-me o nome dela...
- O nome dela é Míriam. Mas, querida, não vou me permitir visita-la. Certa vez, tentei acabar com o seu casamento, não consegui! Agora que ela tem um filho não farei isso, desculpa-me!
- Por favor, Janil, atenda o meu pedido!
- Sinto muito, querida, perdoa-me, mas não poderei te atender, ambos, agora, temos família, filhos, não vale a pena, destruirmos a vida dessas crianças! Diga-lhe, por favor, que eu ainda a amo como no primeiro dia em que a conheci. Eu a amo muito, ainda, muito mais agora, depois do que você, generosamente, me contou, obrigado!
Os anos se passaram, certa vez, ao voltar de uma viagem ao exterior, havia chegado da Europa, estranhei o fato da minha mulher não vir para nossa cama. Levantei-me e fui perguntar-lhe qual era o motivo de não ir para cama e ela respondeu-me:
- Estou tomando coragem para te dar uma notícia trágica!
Aguarda-me, já vou, não me demorarei mais...
Ao ouvir aquilo, sabendo o quanto sou emotivo e chorão, parti para o quarto e apaguei a luz, tentando esconder o óbvio...
Minha mulher entrou no quarto e sem dó nem piedade comunicou-me:
- A Míriam foi assassinada pelo marido!
A dor que senti foi tão intensa que eu saí correndo do quarto, entrei no banheiro abri o chuveiro na água fria enfiei na boca uma toalha, para que ninguém me ouvisse, e gritei sem parar, urrei de tanta dor...
Quando voltei do banheiro, minha esposa dormia, aproveitei seu sono pesado, vesti-me rápido, já era madrugada quando saí de casa, peguei um táxi, fui para rodoviária Novo Rio peguei um ônibus, da empresa Pássaro Marrom e fui para Lorena. Quando cheguei lá procurei imediatamente a Narciléa e ao nos encontrarmos nos abraçamos chorando.
Foi então que ela me contou:
- Querido, minha amiga antes de morrer ficou comigo até às 23h00min e durante todo o tempo só falava em você e o quanto ainda o amava...
F I M
CALÚNIA
(pensamento escrito por jlc – jan)
A calúnia é a pior e mais temida agressão moral, que um ser humano pode sofrer, com horríveis consequências físicas e psíquicas, devastadoras, muitas vezes irreversíveis. Exemplo de uma delas: o luto permanente, descrito por psicólogos e psicanalistas...