Por tudo
Escrevia para os outros.
A caneta e o papel eram pedras que segurava firme entre os dedos, prontas para serem arremessadas ao mundo.
Precisava tirar tudo de dentro de si. Era um ser muito pequeno para suportar o fardo desses sentimentos que pesavam como loucuras em seus ombros.
Escrevia para aliviar.
Queria sentir-se vazia, tão vazia que as batidas de seu coração ecoassem no interior de seu corpo.
E leve. Mas não o bastante para deixar que a práxis a empurrasse para trás.
Escrevia para contaminar.
Gostava de invadir as pessoas com palavras. Queria que elas impregnassem suas roupas, apertassem-lhes a garganta.
Alimentava-se da acidez de seus pensamentos, que corroíam as utopias dos outros.
Escrevia para não falar.
Era mais fácil controlar as mãos que a boca. Sentia ânsia de botar para fora todos os causadores dessas náuseas mentais, mas ainda assim precisava zelar por seus segredos e vergonhas.
Seus mistérios, na verdade, os queria bem escondidos no fundo falso da gaveta onde guardava os valores que pautavam sua existência.
Escrevia para não calar.
Precisava dizer o inegável, manchar essa polidez fingida das pessoas. Quem sabe dessa forma elas percebessem que precisam se livrar das impurezas que carregam e propagam por aí.
Talvez assim, olhassem para si e constatassem que os outros são um pouquinho delas. E que todos somos muito do mundo.
Escrevia para os outros.