Retratos
Hoje eu penso muitas vezes mais, antes de me deixar fotografar. Sentado um dia desses no sofá da sala, imerso em meus pensamentos, vi meu olhar pousar em um porta-retratos já empoeirado, que há muito já não recebia atenção de ninguém, e naquela moldura antiquada, mal reconheci a mim mesmo. Com rosto infantil, sorrindo sem motivo aparente, me fitando por entre um fino vidro, com aquela felicidade ensaiada. Observava curiosamente aquela versão de mim, ultrapassada. Tentei me lembrar do momento daquela fotografia, no que pensava, no que aconteceu a seguir, imaginei se naquele momento, se eu soubesse o quão empoeirado estaria aquele sorriso hoje, eu ainda sorriria.
Levantei-me, e como forma de respeito ao meu antigo eu, virei o porta retratos, de forma com que a foto ficasse sem ser vista, como se para dar um descanso para aquela expressão, pensei com meus botões: Reserve a si, o direito de se entristecer. Ninguém deveria viver a vida fadado a sorrir.
Segui para o quarto, e deitado continuei a pensar em quantas outras fotos, eu poderia estar. Quantas coisas devo ter “presenciado”, quanto amor, quantas brigas, coisas que nem sequer posso imaginar. Posso estar guardado, emoldurado, posso até ter sido queimado, rasgado. Quão absurdo, é o poder de uma fotografia, em um segundo nos seqüestra, e por tanto tempo nos mantém reféns. Lembrei-me da fotografia de um amor, quando este ainda nem me conhecia, lembrei da dor que senti, ao descobrir aquele “sorriso seqüestrado”, um sorriso que nunca vi, lindo, mas que o melhor de mim não o trouxe a tona. Nos braços de um outro, ela sorriu de uma forma que nunca sorriu pra mim. Tenho certeza de que aquele momento de felicidade que resultou naquele sorriso, ela nem imaginaria que anos depois arrancaria lágrimas de um outro amor. Por um momento, quis destruir todas as fotos da casa, libertar todos aqueles momentos, sentimentos, saudades. Vontades, afinal quem sou eu para julgar quem precisa ser salvo? Salvo aqueles empoeirados , esquecidos ou guardados, muitos momentos, sorrisos e caretas, são apreciados. Muitos não são torturados, sujeitos à uma realidade incompatível, e outros tantos causam bons sentimentos, boas lágrimas. Quem sou eu pra julgar, a pose não pensada ao se fotografar. Eu não sou ninguém.
Por fim, cansado de tanto pensar, me levantei e fui andar, cozinha, banheiro, andando pela casa, até que percebi, o porta retratos que deixei ali, à descansar, agora em pé de novo a me fitar, com aquele mesmo sorriso infantil mas desta vez sem aquela poeira, limpo e cuidadosamente posicionado ao lado de um outro porta retrato, este com toda a família, com os seguintes dizeres: “Para sempre amados”. Deixei escapar uma risadinha nostálgica e me peguei pensando: Tenho certeza que nenhum de nós nessa foto, pensaríamos que um dia colocaríamos fim a uma reflexão. Afinal, não é assim tão má essa invenção.