Parabéns Eremita
Estava expectante e ocupado à espera dos cartões de boas festas, como sempre estava nesses dias especiais de tão inglórios, dos telefonemas de parabenizado, mas nada, rigorosamente nada, estava finalmente esquecido de tudo e todos, ignorado no limbo da indigência social e afectividade condoída.
Cheirava-me a masoquismo serôdio, já que passava ao lado de tudo e de todos, numa irrelevância e desprezo absolutos, também não era de esperar nada de diferente, nem era seu desejo almejar a mais qualquer outra significância, é só uma constatação da indiferença e da náusea que lhes provocava, e o sentimento era recíproco sendo o que perceptivelmente continuava a menos valer.
A sua existência é uma provocação explícita ao próximo, e é com esse sentimento levado ao absurdo que enche o seu âmago, destacava-se assim pelo impropério que era a sua pseudo vida de inaptidões.
Quanto mais radicalizava a sua conduta, mais auto-satisfação lhe preenchia o ego tresloucado.
Os aniversários eram dispensáveis, sempre lhe souberam um tanto para não dizer tudo a Natal, pela melancolia e tristeza que transpareciam e transbordavam ao ver introspectivamente a sua imagem ao espelho nestas datas, numa espécie de auto-reconhecimento ritualizado, como um reflexo de alma perdida na vastidão absoluta da noite escura em que se deixara afundar, agora irreversivelmente aniquilada.
Ou não era Ele o velho eremita, guardador de murmúrios largados ao vento, o suprassumo da decadência anarquista e libertária, da anti sociabilização isolacionista em que ressentidamente se encerrara.
O que lhe pressionava o discernimento eram os muitos anos de não-vida acumulados, era a encarnação da anti-vida, anulando em si qualquer réstia de vitalidade que o pudesse alguma vez rodear.
Os silêncios e a meditação hipnótica são talvez, as únicas e verdadeiras maneiras de atingir o nirvana espiritual e a original sabedoria universal em nós implicitamente induzida, e ele soube-o a custo através da sua irreverência social intolerante que o prescreveu ao abandono, ao esquecimento, ao omisso da sua vida, ao só irrevogável em que se tornou.
O preço que pagou pela réstia de luz que ousou sacar das trevas para seu próprio descontentamento, será eternamente impagável.
Lx, 17-7-2013