Ainda agora tropecei no absurdo de ser.
Esbarrei numa sombra; e existir sempre foi imperativo.
Ainda agora engoli vento de dentro, pensamento,
Devorei as palavras com as quais diria, ainda agora.
O silêncio como roupa para se trocar, faz frio, ou fará.
Tenho que sair usando um silêncio quente, agasalhador.
Ainda agora deu medo, de repente, de esquecer tudo.
E o que eu tinha tanto medo de esquecer, eu esqueci
E deu medo de o que eu esqueci não ser para esquecer.
E um medo muito maior de amanhã não lembrar nada disso.
Ainda agora saber ou não isso não teve importância alguma,
Sentir de outro modo as mesmas coisas não tem relevância,
A inconstância de sentir é o que há para prestar maior atenção.
Ainda agora alguma emoção acabou de deixar o meu corpo
E vou pouco a pouco convivendo com a morte lenta de tudo o que é.
Desolação. Um deserto tão perto conquanto tão aqui bem dentro,
Debaixo de cada passo o acaso mais acertado de todos os abismos.
O céu que me cobre que me cobre olhar ainda mais para ele,
Que vou aceitar me perder pelo simples gosto de estar a esmo
Porque eu mesmo muito pouco sei do que devo de mim mesmo,
Saber nunca foi o meu forte, o meu norte nunca foi conhecer.
Eu sei sentir e sei que sei disso desde quando sei que sei alguma coisa.
Sentir sempre foi minha estrada, o caminho e a caminhada, minha jornada,
Minha sina, meu destino, o fato do fado, chamemos de qualquer coisa
Que qualquer coisa que eu sentir será sempre meu modo de existir,
Desde que eu cisme sozinho à noite e tente ao menos dizer, sempre
Vomitando todas as palavras devoradas com as quais eu diria.
Ainda agora mesmo perdendo o prumo, o sumo e talvez o rumo
De tudo consumo e que me consome e que rumino como poesia.
A letra fria deitada na areia do deserto daqui de dentro do peito,
Com a qual de um modo imperfeito eu, ainda agora, sei que diria.
Ainda mais agora que tropecei no absurdo de tudo que não seria...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 08/07/2014
Reeditado em 13/01/2021
Código do texto: T4874127
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