Viagens
Valerá ainda a pena viajar, a algures, a nenhures, sem já não ousar acreditar.
A minha perca de esperança latente na humanidade, que já tinha caído impreterivelmente no charco há tanto tempo, será possível ainda ressuscitar.
Façam-me crer que ainda vale a pena confiar no próximo, quando há muito deixei de crer em mim próprio.
Mesmo assim sou demasiado pouco socializante para viajar, nem sequer vos dou oportunidade de se aproximarem, pois trago as malas vazias de paciência.
Quanto às belezas inerentes à viagem, isso nasce da predisposição com que se parte, e do quanto as queremos ver e fazer parecer belas aos nossos sentidos.
A tua primeira ida ao jardim no fim da rua, estava numa escala de satisfação como para a tua grande viagem de sonho, trata-se dum escalonamento de adição tal como nos toxicodependentes, subir sempre um pouco mais na dose para a sensação de bem-estar se manter perpetuamente.
Dás por ti numa qualquer terra tropical a ver beleza na pobreza e miséria, nas nativas locais, no calor das águas cristalinas, no vento aconchegante, até chegas a pensar sentir a mão de Deus.
Desculpai-me o meu racionalismo madraço, mas a beleza está efectivamente onde o observador quer encontrá-la, seja onde quer que seja, e o que quer que seja, e quando quer que seja, para mal dos meus pecados.
Nós e cada um à sua maneira, bem ou mal, é que tem idealizado em si próprio o seu próprio sentido da vida em verdadeiro senso lato, porque as vidas em si implicitamente não têm qualquer sentido.
Em sentido cosmológico tudo é invariavelmente e igualmente irrelevante, água é água, pedras são pedras, pessoas são sempre pessoas, vida é morte.
Que pena já estar quase totalmente desprovido de qualquer tipo de beleza na minha alma apagada, tudo é cinzento, frio, doentio e entediante.
Estou seco, e seco tudo ao meu redor, só vejo redundâncias intermináveis nas minhas viagens oníricas, jamais cobardemente materializadas.
As viagens que não fiz, são resquícios da minha intransigência mental celibatária, sou apenas um homem de viagens curtas em sonhos introspectivamente longínquos.
As viagens na minha mítica terra do nunca, onde corro desalmado e trôpego, por entre prados verdes de esperança fingida, a gritar sem ninguém para ouvir, a água do ribeiro parada sem passar pela ponte, o vento omisso desistiu num último suspiro à minha derradeira passagem.
Lx, 9-5-2013