[Manchas na Tela do meu Olhar]
Surgidas na tela mágica do mundo,
essas manchas em meu olhar!
Elas não são criações minhas,
eu não teria capacidade para engendrar
Tamanhas desgraças nas vidas alheias!
[Rente à janela fechada do meu carro,
os olhos duros do homem sujo de graxa
falam-me da esperança perdida,
falam-me de mundos perdidos na vinda
para o estupor sem saída da cidade grande.]
Manifestações cruentas do caos da extensa rua
que cruza a periferia miserável da grande cidade;
o casebrio espetado na precariedade dos morros,
palafitas sobre as vazantes fedorentas de óleo e esgoto,
emanações pútridas de esgotos a céu aberto,
nos muros, nos postes, restos das promessas de políticos —
incontida, a miséria brasileira procriando-se, sem cura,
alimenta-se das imundas ratazanas das tubulações!
Nas paredes dos barracos, dos bares, as marcas de tiros;
na calçada, a poça de sangue seco ficou do último tiroteio;
nos espíritos, nas bocas caladas, nas portas cerradas,
as barreiras implacáveis do poder do tráfico,
o império inquestionado da lei do cão:
lugar Nenhum onde os sonhos são bolhas de sabão
que descem, sem cessar, pelas antenas parabólicas,
e explodem nos olhos infantis dos filhos da miséria!
Manchas na tela do meu olhar —
caos de violência e abandono,
vozes silenciadas pelo desespero,
manchas na tela do meu olhar passante;
acelero o carro: logo as esquecerei!
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[Penas do Desterro, 14 de maio de 2007]