O gato
Durante minhas caminhadas noturnas pela Cidade Azeda, um gato solitário me segue por onde quer que eu vá, esgueirando-se pelos telhados e muros do mundo. Seu pelo negro reflete a luz da Lua como se fosse metalizado, e seu corpo esguio desliza como uma sombra.
A cada alameda, beco, rua, viela por qual ando meu passo solitário e turbado por visões infernais, meu amigo gato sempre me segue. O que acha tão divertido em mim? Não sei. Mas seus olhos estão sempre me perscrutando, como dois globos amarelos.
Eis que um dia resolvo surpreendê-lo, e preparando uma cilada, capturo-o; eis que em seus olhos vejo refletido o rosto de minha amiga Camila, perdida no país do além-mar e guardada por serpentes, rochedos e ondas! Passando a mão por seu pelo, posso sentir a mesma textura de seus cabelos, negros como uma revoada de corvos, e até mesmo seu perfume, que me fazia expirar em gozos, emanava dele! Espantado, deixei-o ir.
Nunca mais vi o gato desde então, e meus passeios solitários tornaram-se ainda mais solitários; mas pergunto-me o que Camila estará fazendo no país do além-mar, onde Trebaruna e Atégina ainda caminham com pés humanos.