Nota de falecimento, extensa
A minha dor é algo particular.
A de meu pai é algo público.
Receber a notícia da morte de vovó foi uma brutal punhalada, quando todos aguardávamos sua recuperação. Um golpe de estado.
Nesse estado, tem meu pai, militar ativo, altamente prejudicado.
Nesse estado tem eu, militante ativada pelo sofrimento de meu pai.
Foi estranho escutar a nota de falecimento que foi dada por mamãe, mas foi cruel escutar tão distante o choro de meu pai. Quase que eu podia entender o que habitava suas tão fúnebres e rasas palavras:
A dor da saudade, do remorso e da desilusão.
Sem perceber me vi aos prantos. Logo mais entendi que houve uma transferência, sem intenção, de sua dor para mim.
Isso acontece quase sempre.
Em alguns instantes minha imaginação desequilibrava o corpo, pensava na viagem até Almenara, (onde seria o velório), em que
papai estaria dirigindo 14 horas sem revezamento, carregando a dor
da perda, o sono, o abatimento e mais 4 pessoas. Esse pensamento
me enlouquecia e enfraquecia meus sentidos levando-me a um estado
paranoico transitório. Meu apego, sempre fez doer em mim
tudo que nele doía, e toda vez que ele viajava sentia-me infame, com
uma parte descoberta.
Os dias que se seguiam à tristeza de meu pai, eram quase
a morte sentada no sofá da minha sala de estar; um luto
descaradamente estampado no espírito de papai e compartilhado
por todos nós.Uma nuvem negra, fria, chovendo dia e noite
em nosso lar. Momentos que eu não via a hora de acabarem-se, pela dor,
pelo amor e pelo egoísmo de querer meu pai sempre comigo.