O Alfanje

Todos vivemos de emoções. Temos estas emoções a todo instante, em cada gesto instigante, em cada palavra e nas atitudes cotidianas. Agora por exemplo vivo o que flui em frases perdidas no silêncio que me absorve e devora o espaço físico da sala que ocupo. Um traço no horizonte, um gráfico indicando o tempo, o amarelado mapa geográfico do Estado do Paraná dependurado na parede, emoldurado, bem do meu lado, traz os traços delineados das divisas municipais, destacando itinerários de estradas rurais.

Que aos pouco se vão tomando uma forma única em minha visão: Lavrinha, Distrito de Pinhalão, onde nasci e vivi meus folguedos de criança. Dali parti um dia, cheio de promessas e de encantos, deixando para trás o sítio onde plantávamos o arroz, todos os anos em safras de verão. Vinha a colheita, grande festa de mutirão formado pelas comunidades adjacentes, todos se imbuíam no labor, uns cortando e outros transportando o arroz para ser batido no jirau feito com restos de paus das coivaras previamente preparado para tal fim.

Na palhada depois, bem me lembro, quando o dia despencava com o entardecer, o cantar do inhambu, era um hino de recompensa e de gratidão. Que Saudade do meu avô, Sebastião Alves, pioneiro desbravador daquelas bandas da Mococa e que saudade do meu eterno e encantado tempo de menino!

Trinta anos depois, quis reviver a aurora da minha infância. Fui até lá e vi tudo como antes. Senti a plantação de arroz, a mesma terra a mesma restinga, onde ainda, arrulha a pomba juriti. O Riacho de água fria em sua nascente, escorrendo pelas cercanias da colônia formada por migrantes nordestinos. Ladeado de varas de bambus, ainda segue a mesma direção. Sentimento de amargura! Os bois, os cavalos e a carroça do meu avô, não estavam lá, nem ele existe mais, só o pinheiro por ele plantado à beira do cercado, teima em existir e me acolheu em sua sombra. Lágrimas de saudades rolam por uma geração que se foi!

Pensando neste lamento tão surrado pelo vento, ao som do cantar do bem-te-vi em sua copada, senti-me só e um nó em minha garganta se fez... Em seu grosso tronco, eu vi, assim, como um coração imaginário ali desenhado e nele cravado estava um velho alfanje todo enferrujado!

- Calo na mão dói no coração e a fome do saber alimenta a dignidade do homem, mesmo estando ele deitado sobre uma vasta e farta plantação.

Coloquei minha mão direita sobre o cabo do alfanje. E, do lado ilusório, pressenti que outras tantas mãos, sobre a minha pousaram naquele instante, como se aquele momento fosse um casual ritual displicente da memória. As reminiscências aflorando sem piedade a concretização dos sentimentos que há muito no tempo estavam perdidas. Lembranças e nada mais!

Autor: Valdir Merege Rodrigues

Pinhalão - Paraná

Valdir Merege
Enviado por Valdir Merege em 20/06/2014
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