Escravo
Serás tu, querido, a tradução de minhas aflições? Mouro meu, que me remenda o coração, me destrói com teus poemas de amor… Por que fazes de si minha dor? Será minha sina viver só, sem ti, meu poeta perene, rubro, ao lado meu?
Ah, como gostaria eu de agora olvidar-me daquelas tão doloridas palavras que escreveste, pesam-me elas nos olhos, os fazem escorrer em sentimento confuso híbrido de ódio e amor, saudade e rancor… E diga-me, a ama? A ama tanto quanto o amo?
E essa bala alojada em meu peito oco de nada vale mais, vã, entrego-me à morte que deste-me em mentira ríspida servida em bandeja de prata. Enrolo meus dedos na foice da vida, corto-lhe os cabelos castanhos e deixo caírem como cascata escura ao mesmo tempo que doirada pelo teu corpo.
Em torpor, tenho vontade de me afogar em mim mesma, ou nos braços daqueles que me traíram postumamente, mas não sei onde os encontrar. E estilhaçada, não mais me vejo. Me condeno e renego, no recanto perigoso da vaidade masculina, temerosa que a Máscara Escarlate me possua, que minhas quatro Bestas me devorem, minhas paixões me asfixiem. Me escorro em ti agora, amante querido, mouro que tanto amei, tanto quis, mas de nada adiantei. Garota tola, incapaz de ser mulher, me derramo carmesim e solene pela carne escura que um dia desejei.
Assassino… Matou minha fidelidade, engoliu sem piedade minha doce, doce felicidade. E ainda sim, o amo… Suicida tua, o amo, o amo muito, o amo tanto… Amor doentio que me leva aos extremos, me perdoa hoje pois não o temo. Chicoteia-me agora tu, não mais escravo, tortura tua senhora; e hoje não morrerei insignificante, ignorante, decapito-me esposa tua, poetisa-amargura.