Pousa Ave, Voa Vida...

Às vezes, e só às vezes, ele pensava. E quando pensava não existia. Parecia querer um consolo, um descanso do ser contínuo e indefinido. Até quando pensava na diversidade e intensidade dos afetos contidos na arte, plagiava alguém que já havia pensado e sentido antes coisas e constatações contemplativas tais como: ' O futuro não é como costumava ser' (Goya). Isso porque caíra tantas vezes nas armadilhas do tempo...

Mas o tempo é a supremacia do homem. Indivíduo e coletivo a um só momento vive passado, presente e futuro. E nesta convivência se massacra, se imola e goza. Esta é a sua maior felicidade, ainda que pequenina. Nisso empenha a sua alma, a Deus e ao capeta, nos enredos do tempo que nessa estranha trilogia é infinito. Ser feliz não seria uma questão de saber o porquê, mas uma questão de 'o que'. Assim objetivada a sua felicidade, pode então descobrir o que a torna possível, contudo descobrí-la é fácil, abandonar-se sem justificativas é outra história...

Na verdade o extraordinário é estar feliz no inesperado, surpreender-se a si próprio nas impropriedades e contradições da relação dual e irreconciliável entre o corpo e a alma. Por instantes esquecer o conflito e a incompletude e, aí sim, se tornar completo sendo feliz mais uma vez para já em seguida reiniciar nova procura.

Isso é sentir o 'eu sou' porque te encontro e não 'eu era' enquanto te procurava. Ao encontro não precisa anteceder a busca, nem a espera, pois é nos intervalos que se vive. Esta é precisamente a natureza intervalar da felicidade que só é plena e suprema quando vivida à dois, compartilhada. É esta a caixa, o compartimento do nada que existe no ser humano. Aí tudo cabe em si, onde o refrigério é o climax do ecossistema que é límbico, e assim sendo, apaixonado. Portanto situado no seu mistério de nada ser para realmente existir.

O resto é o desespero e a ansiedade que o obriga a fazer escolhas. Neste momento o incomensurável ser entende que é preciso praticar o abandono, abandonar-se para conhecer o sublime. Saber o sublime de estar e se deixar pousar como a ave nas mãos e no coração do outro...

Assim ele se redescobre afinal, e diz-se a si: De repente apaixonei-me; o que? Não importa. Era isto que eu queria, e agora que cá estou, o mundo é o silêncio e eu sou a plena quietude, afinal vivo a paz do guerreiro. Era isto que eu queria. Mais nada...


In: 'Pousa Ave, Voa Vida...' Prosa de Ibernise.
Barcelos (Portugal), 10JUN2014.
Ibernise
Enviado por Ibernise em 10/06/2014
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