O Anjo da Ignorância
O anjo da ignorância sobrevoa. Ele tem uma língua de camaleão com a qual pesca cérebros. O anzol é um cifrão e a isca um dólar que ondula qual minhoca. O anjo da ignorância tem anjinhos aos pés, que anseiam por conhecimento, mas nunca são saciados. Ele é o mensageiro dos deuses que vivem nos arranha-céus. Mas, na realidade, o anjo da ignorância é o verdadeiro deus, que pescou o cérebro dos deuses assentados nas poltronas giratórias - seus tronos - com a caneta no queixo. O anjo da ignorância ri da sua própria farsa, do seu golpe, do seu jogo. Ele ensinou aos deuses das poltronas giratórias como ignorar aos incômodos das suas consciências até que elas fiquem impermeáveis como o tecido das poltronas. Ensinou os deuses como doutrinar os servos a serem apáticos e obedientes como um relógio. Ensinou como colocar uma nota-minhoca que se revolve eternamente à frente dos servos sem nunca ser alcançada. Os servos veem os cifrões como o símbolo da medicina: acham que é a sua cura, mas suas consciências estão gangrenadas. O anjo da ignorância desdenha da esperança dos deuses e servos. Ele é monocromático e arrota falácias. Suas asas soltam penas que fazem cócegas. Os servos acham graça e brincam com sua própria desgraça. Fazem travesseiros com as penas do anjo da ignorância, onde deitam a nuca oca toda noite para planejar como pegar a minhoca-nota. O anjo da ignorância nunca dorme, te acompanha qual sombra do berço à lápide. O anjo da ignorância, às vezes, toca trombeta para mobilizar o rebanho. O rebanho não ouve outros sons e vê apenas um mundo. O som da trombeta serve também para fazer dos pensamentos uma onda uníssona. O anjo da ignorância tem seu códice e sua bíblia e tem certeza de tudo. O anjo da ignorância não tem memória nem monumento, ele pousa em pedestais improvisados, simulando ciências. O anjo da ignorância odeia bibliotecas e ama livrarias. Inspira livros triviais em pessoas pífias, organiza vitrines com capas e reverbera frases batidas. O anjo da ignorância está ao pé do teu ouvido, sussurrando-te convicções incoerentes. Ele besunta teus lábios com teorias pegajosas e te acompanha, envolve com o braço direito o teu ombro esquerdo; ao teu lado, te faz andar no quadrado, te cospe no pescoço, te anestesia, te crava os caninos na jugular, te leva a shoppings e chupa teu juízo. O anjo da ignorância benze tua fronte e te faz desperceber a fonte. Ele enviesa tuas vistas para teu umbigo, fazendo-o teu único universo. O anjo da ignorância te faz ler este texto bocejando, desprezando entrelinhas, embaçando metáforas, ofuscando impactos. O anjo age em ti através da tua descrença nele. O anjo da ignorância te guarda e te guia, mas não te ilumina.