SOBRE UM OUTONO MÁGICO
Não há muito o que dizer, amigo, quando o coração inverna.
Tivemos um outono fresco, muitos pássaros,terra coberta de pedaços de vida caídos,alguns pores de sol fantásticos,mas, acima de tudo,tivemos ipês teimosos.
Houve apenas um temporal - estrondoso e ferino.
Pensei na possibilidade dele ser nosso túmulo- meu e seu.
Enganei-me.
Saímos, sim, encharcados,com arranhões profundos no rosto e nas mãos....com dolorosos espinhos nos pés ...e um gosto de sangue nos lábios.
Como foi terrivel...aquele temporal.
Mas, contudo, muitos e muitos amanheceres banharam nossas noites.
Cada dia , mais lindamente o sol surgia.
Pensávamos ser impossível imaginá-lo mais deslumbrante...
ah! como sua cor, seu calor,
sua essência nos lembrava a suprema verdade do renascimento.
Tivemos manhãs claras e férteis.
E nossos entardeceres ? Lembra-se ?
Caindo com a suavidade de um lenço escuro sobre a vida roséa.
Ah.. com que leveza a noite chegava.
Ela nos trazia a certeza do encontro...da parceria...da troca...do ser um no outro.
Tivemos tardes com cheiro de mata molhada pela chuva,
de flor de maracujá e de morango maduro.
Enfim...tivemos madrugadas mágicas.
Silenciosas.
Para que sons quando a vida canta...os olhos berram...
os braços aconchegam...para quê ?
Nosso outono foi belíssimo, amigo.
E agora...enfrentemos o inverno.
Que nossas lembranças nos aqueçam.
Proponho-lhe um tempo na cabana da Serra do Sossego.
Lá, tem uma lareira antiga e um reservatório de lenha -
muita e muita lenha guardada.
Na grande sala onde descansaremos,existe uma mesinha tosca com um pequeno fogareiro - façamos chá de canela, adoçado com mel.
Eu vou levar, em minha babagem, porção extra de sorriso
e uma grande caixa com meus sonhos.
Traga os seus.
No riachinho que corre por detrás da cabana,há um Menino-Pescador que estará sempre atento a nos mostrar um lugar sereno para caminharmos nossas dores,nos finaizinhos de tarde.
Eu o conheço há muitos e muitos anos. É confiável !
Então, amigo, teremos tempo para pensar nossos sonhos
e sarar nossas dores.
Assim...o inverno vai passar... e a Primavera, inteira,
se abrirá em flores e cheiros...em canteiros e lagos...
em nuvens e arrebóis...em vida.