SÓ UM FARFALHAR
- Fala, meu amor, fala da nossa dor.....fala !
No cair da tarde, aquele apelo desesperado por um abraço de alma do homem que povoara, um dia, meus encantos de mulher me feriu os ouvidos.
Peguei um capinzinho qualquer e mordisquei. Manter os labios ocupados me dariam um precioso espaço de tempo....de silêncio.
Meu coração estava especialmente pesado, naquele final de vida. Nem mesmo o por do sol molhava de ternura minha alma. Vagava por entre meus sonhos mortos, sepultados, com a sensação de luto sem cor, sem som, sem cheiro.
- Diz pra mim...diz..o que aconteceu ao nosso amor ?
Um sabiá cantou maldoso. Nosso desencanto não carece de trilha sonora ...anseia por um requiem.
Fazia frio dentro de mim - rajadas gélidas de solidão, de angústia, de vazio varriam , solenes, o canteiro feio de florzinhas velhas do que fora, um dia, um jardim.
Desaguando dor, procurei os olhos do meu amor morrido e encontrei um oceano .Trinquei o cálice...suavizei a canção...e me calei.
Nada se pode dizer quando o amor se despede do sonho com um leve farfalhar de asas e um murmurio de chuvinha.
Não houve tempestade.
Apenas, em uma madrugada qualquer, procurei os braços do meu amado e não os encontrei macios. Em uma manhã bandida, cavei uma cisterna na aridez de um sorriso e só encontrei pedras. Em um por de sol magro de beleza, caminhei descalça pela areia fina da praia buscando dedos pra tecerem ,com os meus, afetos e gostares - não havia nada para se compor um hino. Guardei a harpa e cerrei os lábios.
Assim...assim... sem tempestade, sem furação, sem raios e trovões , a doçura de querer-se perto....a dor aguda de sentir-se só... o vazio da mesa no café matinal... o grito de prazer na troca de vida...assim....assim... um a um...se foram....se foram ! Não feriam...nem magoavam mais.
Colocar algumas roupas na valise, selecionar meia dúzia de cd's, abrir a portinha da gaiola do pássaro-preto , calçar sapatos para suportar a neve e trancafiar soluços se fazia urgente.
E o sabiá maldoso continuou a cantar !