Palavra de cronista
Jogo com as palavras ou elas jogam comigo? Brinco com elas ou elas brincam comigo? Às vezes, eu brigo com elas porque elas não querem brincar comigo. Vez ou outra, teimam, por um hábito antigo, em saírem erradas. Querem se desfazer dos acentos, outras vezes querem se enfeitar, erroneamente, com eles. Quem fez esta ditadura para elas? Elas querem mais é correr soltinhas, nuas, pelo texto afora.
E quando elas não querem soltar seus segredos? Aqueles significados recônditos que só elas sabem? E quando elas nos enganam, significando o que não devem significar? E quando, no contexto, se travestem, usando vestes que delas não são? E quando elas se invertem, procurando verter ilusão? E quando elas se metem onde não são chamadas, criando confusão? E quando elas saem na hora errada, colocando-nos em má situação? Se é no texto, eu as apago correndo, antes que alguém as veja. Mas, quando ditas, voam pelo ar, ligeiras, livres de qualquer correção.
Existem dias em que elas dão o que falar, me perdoem a expressão. Talvez devesse dizer “elas dão o que escrever”. Saem metafóricas, irônicas, pleonásticas, silépticas, anacolutas. Contorcem-se em hipérbatos perifrásticos, em redundantes pleonasmos e em metonímias eufemísticas. Eu, hein! Como posso saber tudo isso?
No fim do dia, já me acostumei. Faço, por dentro, uma balada com elas. Durmo pensando nelas e, com elas, tenho meus sonhos. Que paixão! Mas, eu desconfio, elas não sonham comigo, não. Estão ocupadas em passear pelas mentes dos grandes poetas, dos grandes escritores do presente e do passado. E isso, posso dizer, deve dar um trabalhão! Sinto um pouco de ciúmes, mas que seja! Elas estão em boa companhia e, podem, também, ter seu prazer e seu descanso.
Amanhã de manhã, porém, começa tudo outra vez. Vou falar com elas, e brincar, e usar, e abusar. Afinal de contas, para que servem as minhas amigas? Dou minha palavra, vou ter uma palavrinha com elas. Palavra de cronista!
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