Relatando-me
Relatando-me
Queria um lugar que não sei imaginar como poderia ser concretamente.
Também queria reunir numa festa os amigos que nunca tive e não tenho.
Há coisas que nem sei se quero entender; perderam demais a importância.
Queria querer e sonhar e desejar e procurar, mas não há ânimo em mim.
Queria que as palavras não tivessem ficado mudas para que pudesse dizê-las.
Queria encontrar um caminho para trás para reconhecer-me, lembrar-me.
E quem dera fosse possível esquecer amplamente de cada instante vivido.
As opções estavam lá no momento certo, mas não entendo minhas escolhas.
Não compreendo ainda como quis entender o que me causou apenas tempestade.
A minha alma pesa oitocentos e trinta quilos e sei pela curvatura dos meus ombros.
Cansei de mim; assim como causei cansaço sem me dar conta do quanto pesava.
Cansei de quem de mim se cansou, pois eles também não se dão conta que pesam.
Tantos fatos repetidos e tantos momentos inesperadamente amargos cansaram-nos.
Talvez o final não passe de cansaço, talvez no final seja o que reste; apenas cansaço.
Complica que estou tão cheia, tão repleta e tão permeada de vida que não tem saída.
Queria um lugar e só sei imaginar como não seria branco e nem teria vãos para espiar.
Se quero ver o sol nascer, basta que eu abra a porta, apenas uma das muitas que tenho.
A verdade é que minha existência não tem quase nenhuma parede, mas muitas portas.
Não posso dar tudo que tenho para ter o instante milagroso; há amores do mesmo quilate.
Descobri no meu corpo a dor que julgava ficar na alma e me anestesio para transpor.
Não tenho carregado grãos, folhas e nem gravetos, não tenho feito minha lição de casa.
Estou presente com meu corpo e minha alma pesada apenas para não inquietar os dias.
Já vivemos em excesso dias inquietantes e não quero que minha alma pese toneladas.
A mentira me cairia muito bem, pena que estou incapaz de apontar o ideal e o real.
Os dias continuam ocorrendo tão indiferentes que me parece heresia em abundância.
O sol não deixou de surgir, a lua contínua lá intacta e nada, nada chora nossas perdas.
Certo é que simplesmente não quero uma casinha branca e menos ainda uma varanda...
É um desejo concreto demais, finalizado demais para meu equilíbrio desestabilizado.
Vou continuar andando na corda suspensa até chegar a algum lugar, ou sei lá, ou não.
Algumas vezes é preciso relatar-me para que eu saiba o que ou quem estou sendo.