A Garota Que Caçava Crepúsculos
Um dia cinza, a vida cinza. Sentia cinza, pensava cinza. O dia que girava em torno de uma rotina vã. Mas havia uma missão a cumprir. Não lembrara dela ao longo do dia, mas quando a hora chegou, a missão emergiu em seu pensamento, no momento em que o dia findou em um crepúsculo que coloria seu cansaço e sua tristeza.
Abandonou seu lugar como quem abandona coisas velhas, sem importância. Percorreu, displicente, a rua cheia, a pista de carros, os caminhos dos cachorros na calçada. Apressou-se. Tinha uma captura a fazer, e o céu anunciava a hora chegada escurecendo sua angústia em tons de azul.
Desesperou-se ao ver que errara a direção. Correu na direção contrária, mas havia demasiadas ruas, pessoas demais, carros, árvores, caminhos, esquinas, prédios, tropeços, esbarrões e pedidos de desculpas, e não havia tempo. Como todas as coisas belas, o crepúsculo é efêmero, é chama que se consome em seu tempo de noite.
Ela corria pela rua procurando o melhor ângulo para capturar o crepúsculo, como ele lhe pedira, lhe desafiara. E ela prometeu cumprir e lhe dar de presente sua parte nesta brincadeira dos dois. Ela andava pela ruas e se ria sozinha, suavemente constrangida, brincando solitária e rindo a toa, um riso bobo, ingênuo, espontâneo, sentindo uma leve angústia pela possibilidade de não conseguir completar sua missão.
Olhava para o céu, fitava o crepúsculo, e o crepúsculo lhe olhava, sorrindo de volta, lhe ordenando pressa. E ela continuava a sorrir, envergonhada, como se ele a olhasse de verdade.
As pessoas ao redor começaram a rir dela sorrindo e apontando a sua câmera para o céu, e perguntaram, o que você está fazendo? Ela lhes respondeu, estou caçando.
Vênus lhe olhou e disse, estou aqui, sou a covinha do sorriso pueril do crepúsculo, que logo se amadurecerá em noite. Cace-me, capte-me, pois quero ser dele. E serei dele mil vezes, se mil vezes ele me olhar, e serei dele milhares de outras, até o último crepúsculo dos mundos. E ela pensou que não haveria presente mais belo, nem mais eterno, que a própria estrela vespertina iluminando o canto do sorriso do dia, no crepúsculo mais belo que já vira. E que o daria de presente ao único homem que mereceria tal relíquia, e, assim, ele poderia tocar o intocável, abraçar o imaterial e traduzir em notas o que o coração dela de longe sentia.
E assim acabara sua caçada, aprisionando o imaterial com suas lentes, mantendo-o mais que vivo, mantendo-se a si viva ao completar aquela jornada, capturando aquilo que não se conseguiria prender, e, em vez disso, os libertaria.
O crepúsculo que chegou com suas cores fortes para colorir seu dia cinza se desfazia em um anil definitivo e tons de amarelo rasgados por mil outras cores e tantos outros quereres. Diferente de sua mãe, ela não se sentia triste naquela hora. Ela se sentia eterna. Eterna como um riso de canto, como os ritos de passagem, tão efêmeros, mas fadados a se repetirem no céu e dentro de nós, eternamente.
E era esse o presente que ela lhe dera e ele não suspeitava. Não era só o dia acabando, não era sua perseverante caçada, não era só o riso bobo entre os transeuntes. Era o crepúsculo, tão efêmero quanto eterno, a fresta por onde seus mundos se comunicam.