O Futebol Costumava Ser

O futebol costumava ser música. Na qual, onze maestros regiam milhares de vozes que se perdiam nos ares sobre as arquibancadas, como uma grande babel em pró de uma única camisa. Hoje o futebol é uma orquestra que o público contesta se a harmonia da música vale o valor do ingresso pago, num teatro em que é normal as cadeiras despencarem e a plateia guerrear como bárbaros.

O futebol costumava ser cultura. Na qual, viam-se as tribos espalhadas pelas ruas das cidades em que se chegava ao templo da relva. Também um festival de cores que estampavam as tonalidades de cada manto. Hoje, a cultura subpôs-se às tribos marginalizadas, que sujam os mantos de uma única cor, o vermelho do sangue, da guerra e da raiva. Transformando àqueles que pelejam por falsos ideais, num único bando.

O futebol costumava ser religião. Na qual, os deuses da bola apareciam milagrosamente num único lance. Entrasse a bola ou não, havia emoção. E o canto de cada torcida era a sua própria oração. Hoje, os deuses desapareceram, pois as partidas tornaram-se céticas, e o público tornou-se ateu, pois descobrir quem vencerá um duelo é somente uma questão de percepção.

O futebol costumava ser guerra. Aquelas de bolinhas de papel, em que se veem pontos brancos viajando por toda nossa volta e nos atingindo, como se fossem pombos da paz. Ou aquelas de travesseiros, em que o algodão vem roçar nas narinas e nos fazer rir e espirrar. Hoje, a guerra é com armas de fogo, e os arredores do estádio são campos bélicos, apenas com o objetivo de matar.