Náufrago
Inspirado em Eu, antologia presente.
Do talentoso Poeta:
Bruno Francisquini Canceroso
Navegar é preciso, viver não é preciso.
Fernando Pessoa
Cais das despedidas
- Náufrago -
A madrugada totalmente cega pelo véu negro da escuridão desperta-me.
Sinto o pulsar do coração que não cabe no peito da cama.
Rolo pelos lençóis inválidos por segundos...Levanto-me.
"Sofro de inspiração"!...
A inspiração é doída feito facão de vários gumes cortando os pulsos da alma.
Nada mais me acalma a não ser escrever...
Não adianta lavar pratos e secar com pano de prato o sangue da inspiração...
Cavar a sepultura florida das palavras...Como se letras pingassem o sangue dos versos e as sílabas fizessem em si sua própria atadura.
Carrego o Universo nos ombros e o fardo vai ficando leve feito penugem ou voo de borboletas...
Preciso deixar meu corpo ser possuído por grãos derretidos nas ondas de areia e ser praia em um mundo nunca habitado. Apenas por mim, nesse exato instante de agora.
Deixar-me ser possuído pelo agora, que nunca mais será o instante de agora...Que vontade de tomar uma cachaça.
Cerro os olhos esbugalhados pelos sons que não escuto....
Tudo é negro e adormecido. Silêncio de morte.
Penso que só Eu penso. Ledo engano.
Quantos estão na mesma favela que Eu, convivendo com lembranças doloridas.
Quero chorar... Não resta única lágrima que ficou feito iceberg em meus congelados olhos de sentinela.
Resta a visão e os sentimentos... São tantos...
Mergulho e volto à tona e o medo de não mais submergir.
Os "amores" de minha vida foram tantos que não cabem em si no encantamento e desprendimento que tento.
Para que tentar se não consigo?... Volto a mergulhar e submergir. Respiro, como se o último suspiro do vento fosse o meu último suspiro.
Meu prazo de validade está findando...
Soco as paredes esburacadas, como se quisesse ultrapassar meus limites, sem limites em palavras.
Palavras vão regurgitando e terminaria a vida escrevendo... Página por página num livro sem fim... No cais das despedidas... Sopra o vento no "Livro da vida" e as páginas flutuam como se quisessem cavalgar. Feito folhas ao vento. Navego num súbito plano de voo nas profundezas dos oceanos, onde habita o meu instante de agora. Volto à tona, cansei de naufragar. Socorrido pelo mar da poesia, tento adormecer, antes que o dia me engula, com sua língua feroz, de tez branca, transparente e nua.
Tony Bahi@.