INCONGRUÊNCIAS

Na última quimera dos meus dias

desvendei meus pesadelos

e deixei-me levar pelo ímpeto

consumido em sofreguidão

na tentativa desenfreada de vencer

ou deter o tempo e o vento

responsáveis pela minha solidez.

Quando julguei-me áureo

minhas crenças estilhaçaram-se

e milhões de pedaços

fincaram-se no chão

como ditames mortais

impregnados de plasma

num abastecimento pleno.

Outra vez busquei razões

na certeza de enlouquecer

ao revelar-me pudico

sem público

sem conspiração com o germes

do meu corpo micro

menos habitado que só

(o que vi foi o caos

meus desejos usurpados

meus amores incitados

meu pensamento inapto

meu destino curto).

Plantei flores estúpidas

em campos invadidos

sonhei com um Eldorado

numa guerra psicótica

e hasteei ideologias

como um louco

transcendendo o real

repetindo o que foi dito

e chorando como pedras

(apaguei minha mente).

Como numa película viva

entre a retina e névoa

vi minhas utopias desfiguradas

prismatizadas no nada

inames ditaduras

cobrando dependências

invertendo imagens

manipulando veredictos

os quais temi pigmentar

quando ainda podia

deixá-los em preto e branco.

Conservei-me lúcido

por breves anos

descrente da vida

crente da morte

inventando paradigmas

meio desmaterializado

como uma fumaça negra

um gás venenoso

um rosto apagado.

Aviltei meus conhecimentos

exaltei minha hipocrisia

conflitei meus planos

deitando por terra

meus ideais castrados.

Cavei minha cripta

na cemitério meu

onde enterrei meus dias

e num passado fósmeo

meus pesadelos sepultei

desprovendo-me de meus fantasmas

quando os mesmos germinaram

e dores íntimas nasceram.

Na minha psicalgia

sublevei meus reinos

confundi minhas promessas

procurei um amor edaz

indomável como meus dedos

(pequenos fragmentos de carne)

nocentes e curiosos

por prazeres inconcebíveis.

Deixei-me hipnotizar

pela minha psique

tentando achar-me útil

sem preconceitos lânguidos

sem crimes passionais

sem tons esquálidos

sem ser considerado estorvo

ou simplesmente humano.

Ante minhas mentiras

fui receptáculo de escória

pois as leis me condenavam

e cobravam-me o pudor que denunciei.

Mesmo sendo infecundo

prossegui sem me limitar

pisando em sementes férteis

destruindo futuros benéficos

porque tudo o que eu queria

era encontrar meu oásis

no deserto do meu coração

(acéfalo e inconstante)

sem abrir frestas.

Ostentei o dinheiro

logrando minha consciência

aniquilando os empecilhos

ou simples conselhos

que não eram pagos.

Atuei em papéis indivisos

considerando-me capacitado

indócil e orgulhoso

sem lembrar que a altura

é companheira da queda

e que sob meus pés

estavam os mesmos espinhos

que eu havia plantado

com minha arrogância

(a prepotência de um tirano

a insensibilidade de um nebri).

Tentei reconciliar fatos

roubando ideias

sancionando leis

sem me imaginar fugaz

pois as tréguas simples

haviam se tornado lamentos

pelos gritos de minh´alma

corrompida pelo egoísmo.

Cristalizado sem pedestal

cantei e escrevi conceitos

me simplificando apto

como um herege

que pudesse revolucionar infernos

ou luas pálidas

em busca de ladros

em gargantas práticas

que sempre me ovacionaram.

Permaneci nédio

cumprindo a sina paradoxal

que limitava meu ego

não mais jovem e hesitante.

Compus meu "heu"

e cantei meus caminhos

sempre convalescendo

procurei meu interior

a gênese do meu ser

(vi meu primogênito grito

povoado pelas minhas facções

e meus recalques últimos).

Por convicções insólitas

e em busca de perfeição

alimentei abismos

e não encontrei forças

para uma egrégia escalada

ao quedar-me no fundo

como raiz seca

(hipócrita e contrita

traiçoeira e podre).

Sem aptidões heroicas

pequei em contradições

roubando meu espírito

(desleal e vivo

desumano e abruptamente).

Sobrevivi como terra

explorando lamas

na divagação da vontade

julgando e condenando

(anti-social fui)

pálido remanescente

submetido a pretéritos.

Dominado pelo erro

e emulado por fora

invadi a redoma disforme

que revestia minha fortaleza

meu carma disfarçado em palavras

interrogações e vírgulas

e leguei-me covarde

mesmo sabendo que não era o único...

(Linaldo Oliveira - Livro ANVERSO LACÔNICO - Págs.: 55,56, 57, 58, 59 e 60 (1994))

- Publicada no site: www.unawebradio.blogspot.com.br