Fragmentos e Cismares 42


                         [A PERCEPÇÃO DE MIM]


A percepção de mim. Vaga. Mutante.
Algumas certezas sem convicção.
Estranho meus pensamentos.
Estranho a passagem do tempo sobre a pele.
Há quantos dias apareceu esta pinta  na base do meu polegar direito? Tenho a impressão de que ontem não estava nele.
E essas duas rugas nos olhos, uma no canto de um, outra no canto do outro? Veio a reboque com o salpico castanho no dedão?
Quando foi que comecei a ficar tão confusa sobre mim mesma? Estava certa na minha avaliação anterior ou estou nesta do presente? Ou nem lá nem cá?

Qual foi o start?
O fato é que tenho me estranhado, estranhado meu corpo, minhas lucubrações, as reações (tão frouxas...), as sensações novas (não necessariamente boas...), os temores como sentinelas, sentimentos fortes que querem mais espaço, palavras novas que  escorrem pelos lábios num bailado nervoso.
A gente sabe que as coisas mudam e nós também com elas. Quando acontecem as mudanças, porém, o imponderável levanta-se! Susto. Frustração. Espelho deformado, revelando as incertezas.
Sabemos quanto sobre nós?
Emprestamo-nos outras pessoas, habitamo-nas?
Sei de mim o quê? Se o que penso que sei hoje não é o que pensei saber ontem?
Desconheço-me. Eis a verdade.
Tremulo nas mãos. No corpo.
Minha imagem se desfaz. No espelho e na minha sombra.



 
QUANDO OLHO PARA MIM NÃO ME PERCEBO...
( Fernando Pessoa/Álvaro de Campos,1913 )



Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca propriamente reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~
SP 29/03/2009

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

 
Interação do poeta Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)

 
SEM CONTORNOS

Meu corpo cansado,
cortado por falésias do inexorável
correr do tempo,

prenuncia o cessar
das extáticas incandescências
de minhas peles
e caldas;

mas o pior não é isso:
é que, há muito,
já se me apagaram as luas
e as estrelas,

e se me findaram
os sonhos – todos eles –,
enterrados às cinzas e aos vazios
de meu útero ressecado.


Péricles Alves de Oliveira


 
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 15/05/2014
Reeditado em 26/05/2014
Código do texto: T4807921
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.