CANTO DE AMOR (para minha mãe)
Hoje desvirei as nossas sandálias...
Tive medo da morte anunciada.
Acordei com seus cabelos finos e brancos entre os dedos.
Lembrei-me dos dias nos quais catava cravos na tua face.
Faz tempo. Faz muito tempo.
No entanto, a agudez desse sentimento torna tudo recente demais.
Mãe, o meu amor primeiro...
Platônico muitas vezes.
Amada que me sentia/sinto pela metade.
Fato que em nada altera o afeto estabelecido.
Não, definitivamente, não guardo mágoa.
Apenas uma saudade me guia e nos liga.
Soube que estás magrinha, bem magrinha mesmo.
Pensei: - Tão leve como deve ser um poeta.
Porque assim a vejo, seja em versos, seja em labuta...
Seja neste terreno árido da ausência.
Se me fosse dado voltar no tempo,
Acomodaria o amor de pai e mãe...
Aninhado em meu colo feito um gato.
Mas não somos mágicos, não somos nada.
Lembro-me das minhas noites infantes e sem sono.
Do meu grito de socorro, quase sempre atendido.
Eram três as batidinhas na parede do teu quarto...
Recordo-me também das nossas idas às compras.
Sempre de mãos dadas.
Comprometidas a narrar uma história qualquer sem colocar enfeites.
Coisa nunca conseguida...
-“Menti”, assim costumávamos nos entregar...
Quase chorando de tanto rir
Sinto falta disso.
Sinto falta disso também.
Hoje te amo com o coração em chagas.
Não porque esse amor seja um fardo.
Apenas porque me refiro a um amor único, indescritível.
Tão meu. Tão nosso...
E tão absoluto a ponto de me fazer desvirar as sandálias.
Como se pudéssemos, enfim, nos livrar do inevitável.