Quando vier a primavera,
se eu já estiver morto,
as flores florirão da mesma maneira
e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
e a primavera era depois de amanhã,
morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
e gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)
QUANDO VIER A PRIMAVERA