PARALELO
Criancinhas de avental azul
rodopiando em lépida ciranda,
desconhecem o mundo que as espreita
pelas frestas do muro...
Sua cantoria envolvente
esconde o grito
de quem lá fora,
padece a dor incurável da desgraça.
Seus olhos inocentes
vendo os pássaros vagando no infinito,
não percebem a ave metálica
que transporta a morte,
nas trágicas rajadas
de seu ventre de fogo.
Criancinhas de avental azul
diligentemente recortam
muitas letras impressas,
e as ajuntam em palavras de suave sentido;
e no labor de cortar,
vão desmanchando manchetes
de dor, males, catástrofes,
guerras, crimes, mortandade...
Não leem nos intervalos
das figuras coloridas,
o manancial de tristeza,
que brota das frases publicadas...
Criancinhas de avental azul
durante a merenda espalham,
displicentemente, as migalhas que lhes restam;
sem saber que o pouco
que das mãos lhes escapa,
mitigaria a fome de bocas famintas,
que mendigam, aflitas, um bocado de pão...
Criancinhas de avental azul
à tarde se reúnem e esperam
às mães que as veem buscar,
com beijos e carícias,
sem saber que crianças,
n'outras bandas, além,
na mais triste orfandade,
perambulam sozinhas,
sem braços que as amparem.
sem mãos que as guiem,
sem beijos que as contentem...
Criancinhas de avental azul,
quando irão se abrir seus olhos
para a realidade tristonha,
que as espreita, maldosa,
no seu jardim de delícias?
Quando saberão dos órfãos que choram,
dos parvos que se perdem,
dos moribundos sem teto
que se acabam mas pedras?
Criancinhas de avental azul,
envoltas na fantasia
do seu universo de folguedos,
risonho e protegido,
não sabem, que, talvez,
no despreparo dessa inocência
que ignora, não ouve, não sente e desconhece,
perigue, em última análise,
a salvação do mundo.