Teria sido uma manhã comum...
Ouvi ao longe o som de uma furadeira insistente, e pensei: “como alguém pode estar furando uma parede a esta hora da madrugada?”.
Porém, o cheiro do café que chegava até mim, dizia que não deveria ser tão madrugada assim.
Aos poucos os barulhos do dia foram ficando mais intensos: um cachorro que latia, uma voz lá longe, pratos, uma buzina, uma cadeira sendo arrastada, talheres, um riso de alguém feliz, um soluço de alguém que chora, xícaras.
Teria sido uma manhã comum. Não fosse pela chuva que batia na minha janela. Não fosse pela escuridão daquele dia que já nascia triste.
Rapidamente minha mente foi invadida por diversos pensamentos: ele, levantar, ele, fome, ele, tomar café, ele, academia, ele, trabalho, ele, ele, ele...
Senti as lágrimas já brotando nos meus olhos, as sobreviventes, pois todas já haviam morrido. Todas as minhas tristezas acordaram também. Balancei um pouco a cabeça, na vã esperança de que tudo tivesse sido um sonho. Mas não era sonho. Era realidade. Ele tinha ido.
O lado dele na cama estava vazio, frio e em silêncio.
Os dengos, as risadas, os beijos, “o abraço de conchinha”, as mãos entrelaçadas, também não estavam lá.
Chorei desesperadamente, chorei todas as dores do mundo e mais as minhas.
As lágrimas tem um poder momentâneo de nos dar alivio. Enquanto choramos temos a falsa impressão de que tudo vai passar, de que tudo vai embora junto com aquelas gotículas que surgem sei lá de onde. Devemos ter algum reservatório vitalício escondido, só pode!
Enquanto choro, um filme vai passando pela minha cabeça. Lembro-me de todas as primeiras vezes. Lembro-me de cada detalhe. Lembro-me de tudo, absolutamente tudo, das coisas boas e das coisas ruins. Nesse momento, muito mais das ruins do que das boas.
Somos naturalmente assim, se estamos passando por uma situação ruim, nos apegamos nas coisas ruins, que é pra sofrer mais, pra doer mais. Quem nunca colocou uma música deprê pra tocar, quando estava triste, por conta de uma decepção no amor, ou outro motivo qualquer. E se acabou de tanto chorar porque a letra tinha tudo a ver com a sua dor naquele momento.
Todas as músicas têm algo a ver com a nossa dor naquele momento. Impressionante! Às vezes achamos até que foi escrita para nós, em especial.
O cheiro de café teimava e aos poucos fui saindo do transe de sofrimento. A vida precisa continuar. Por mais que a vontade de ficar deitada, no quarto escuro, seja grande, temos que nos apegar a algo e seguir. O palco da vida continua lá esperando você atuar. E nessa peça, você é o ator principal. Não há substitutos!
Arrasto-me até a cozinha com os olhos inchados e vermelhos. Todos olham. Ninguém diz nada.
Silêncio.
Os movimentos são automáticos: xícara, leite, café, colher, açúcar, mexer, faca, pão, cortar, manteiga, passar, comer, beber.
Surpreendentemente ainda existem lágrimas. Rolam. Quentes. Salgadas. Misturam-se ao leite com café, amargando-o. Desacreditei no amor por um segundo...
Teria sido uma manhã comum.
27/04/2014