Um disfarce
Aquele seu inglório disfarce, de paixão, suor e sexo...
Relembrava aquilo tudo, olhando meu reflexo numa taça esquecida ao lado da minha cama.
Lembrava-me do rosto dela. Das sentenças sem sentido voando daquela boca seca, e dos lábios rachados, displicentemente pintados de vermelho...
Eu cheguei a acreditar em tudo que aquela mulher me dizia, mas só por um tempo...
Depois fingi que acreditava, por conveniência, ou por culpa.
Ela conseguia transmitir a culpa dos erros que cometia, para mim,
e de alguma forma, multiplicava a intensidade da minha culpa pelos meus próprios.
Ainda assim eu me apaixonei por ela e por seu disfarce.
Pela paixão com que me olhava, pelo cheiro do suor entre nossos corpos e pelo sexo.
O sexo talvez fosse a raiz daquilo tudo.
Não pelo simples ato ou pelo prazer imediato e da necessidade carnal.
Nossos encontros eram mais intensos que muitas vidas inteiras de algumas pessoas.
E depois de vivenciar aquilo, eu não queria mais nada, além de vê-la fumar aquele tão clichê ‘cigarro de depois’, falando sobre algo sem importância do dia a dia, ou sobre alguma noticia de jornal.
Digo que não era apenas sexo, porque para fazer aquilo tudo era preciso muito mais do que luxúria. O que fazíamos não era sexo casual. Era uma dança astral entre dois corpos gravitacionalmente atraídos um para o outro, fadados a colidir e se esfacelar.
Eu me esfacelava e me recompunha só para colidirmos de novo.
Hoje, não sei por onde ela vai. Se ainda usa o mesmo batom vermelho ou se largou o cigarro.
Me pergunto se ainda assiste TV e se preocupa com a previsão do tempo para o dia seguinte.
Me pergunto se ainda tem aquele vestido verde estampado que parecia me hipnotizar.
Penso que hoje, provavelmente, ela gravita em torno de outros corpos,
despreocupada e alheia a minha trajetória.
E eu viajo sem órbita,
solitário e ainda um pouco esfacelado.