Dos dias em que sou a própria tempestade

No dia que nascera havia sol lá fora, mas chovia dentro de si.

Já passava do meio do dia e a luz era intensa lá fora.

Viera tomada por emoções que se desenvolveram enquanto ainda era feto crescendo no útero da mãe:

E elas sacudiam-na.

Desde o começo de sua eternidade, tinha um verdadeiro temporal em seu interior.

Em seus deságues veio primeiro a família,

esta que ocupava-lhe o íntimo e suas devoções iniciais.

Não era nem gente, mas sentia que era importante ocupar dos outros e de suas dores.

Depois vieram os(as) amigos(as) e roubaram-lhe a outra metade daquilo que era.

Agora já era preciso que se desdobrasse para dar conta de ser completa.

Por fim, foram chegando-lhe os amores e ela dividiu-se mais uma vez.

Agora já era três,

Mas ainda era uma.

Tudo a compunha.

Com o tempo dissolveu-se a distinção de quem era família, amigos(as), amores... e a tríade voltou a refazer-se numa coisa só.

Todos os dias vinha novamente a chuva,

às vezes, aparecia um arco-íris aqui ou acolá ao fim dos ventos, das nuvens e das águas que corriam.

Concluiu que aquilo nada mais era que o amor fazendo morada em seu corpo

e um medo imenso de um dia acordar e ter se ido todo esse amor de dentro de seu ser.

Medo de esvaziar-se.

De tanto sonhar intranquila,

tantos e tantos dias materializava a chuva que corria em seu estômago

e os dias, como aquele que acabara de nascer, amanheciam nublados e com torrentes d’água a desabar

do céu-azul-de-sua-boca

sobre a terra seca do sertão.