Mestre, meu mestre
Mestre, meu mestre
Escrevo-lhe esta mensagem para me despedir da sua pessoa e da sua cátedra.
Digo-lhe adeus, mestre.
Os seus ensinamentos nada mais produziram do que a chegada a este abismo onde me encontro.
As suas lições sobre o mundo e os homens tornaram-me num ser escuso de sentimentos. Os seus ensinamentos trouxeram-me à mais patética forma de viver: O copo de veneno numa mão, a caneta na outra.
No peito, neste meu peito torneado pelos seus ensinamentos, nada.
Simplesmente nada.
Nem sentimentos, quanto mais remorsos. Nada.
Este vazio é obra sua. O caminho que me apontou é obra sua e, grande desilusão, veio desaguar neste abismo frio e incolor.
Tanta poesia para quê, mestre? Tantas estrofes apaixonadas para quê, meu mestre?
Tantas viagens segredadas nos imensos livros que lemos para quê?
Mudamos alguma coisa?
Platão, Cervantes, N'Dunduma, Torga e Galileu para quê, meu mestre? Para viver neste mundo ignorante e impotente de sentir...?
Até o livro sagrado perdeu a sua verdadeira mensagem...
Para quê a história gloriosa de N'Zinga e Katyavala se o sentimento patriótico e verdadeiro das nossas nações angolanas se dissiparam no interesse material e individual? Consegue vê-lo pelas ruas das cidades do nosso país, pelos corações hipócritas dos nossos irmãos de armas, dos nossos compatriotas?
Para que me deste esta fome de Angola se foi para a perder de vista?
Para que me deste o mundo se me chamam pela minha cor e não pelo meu nome?
Chega, mestre. Decidi escolher a mão do veneno e esquecer a mão da caneta. Escolho o abismo e nunca mais o horizonte.
Amanhã será outro dia, mas jamais contem comigo para pintar o mundo com cores vivas, para ouvir as águas dos rios, ver o verde das planícies e honrar os nossos antepassados.
Nunca mais amarei ninguém, nunca mais ouvirei a emoção de uma trova ou de um kissange.
Nunca mais leio em voz alta nenhuma declaração, nem citarei o génio de mais nenhum escritor.
Basta!
Escolho o veneno, meu mestre.
Amanhã, já amanhã, desisto de ser poeta.
Adeus.