A ÚLTIMA ROSA

O seu jardim sempre lhe fora eternamente real, algo missionário, de vida perene.

Há anos que todos as manhãs ela degustava, qual imprescindível alimento de alma, toda a sua obra, folha por folha, flor por flor, toda a expressão vital de cada canto do seu florescido projeto de vida, e mesmo ao mínimo esboço de história em botão, ela se alimentava da expectativa do resultado inédito de cada semente jogada na terra , remexida pelas suas mãos santas, agora já ceratósicas, mágicas mãos, que emanavam o dom de florescer qualquer genética floral mutada que por ventura se negasse à expressão de flor.

Ali, em meio à beleza de variadas flores, ela sorvia cada gotícula de orvalho nelas debruçado, vindo da madrugada fresca a acariciar seu roseiral de rosas vermelhas, entremeadas da vasta folhagem que, qual casulo, também aconchegava as diversas flores trazidas do campo para os vasinhos do peitoral da sua janela.

Sei que por onde passava, consigo carregava sementes do mundo para o seu pedaço de vida.

Era impossível passar pela sua calçada sem um tempo de parada para a reflexão sobre a formatação da sua vida em jardim.

Paradoxalmente ao ofício, em meio às sempre tão efêmeras flores da vida, ela sequer percebia que o tempo também atua nos jardins diversos, mesmo naqueles que nos parecem para sempre.

Todavia, já com as pernas bambas e as mãos trêmulas, vagarosamente ela continuava no mister único e obrigatório de regar a sua eternidade floral.

Certo dia, um imprevisto a obrigou a ir até ali.

Decerto que, se soubesse dos caminhos, agradeceria ao tempo por- ainda que de súbito!-não lhe avisar dos seus tantos derradeiros projetos de eternidade passageira.

E sem saber, depois de regar a sua última rosa, trancou a porta do seu jardim sem se despedir das flores, na certeza de que ali sempre lhe caberia voltar.

em homenagem a um querido personagem da da vida real.