A Carta não Escrita
Às vezes tenho vontade de escrever uma carta não sendo reticente, nem negativista, nem muito futurista, nem egoísta, nem mergulhado em lembranças do passado, mas uma carta aberta revelando o martírio de cada palavra nela contida, que essa carta adentrasse sua alma, sugada pela falta de razão. Meu martírio é não poder saber se o tempo passa as tontas pelo que se vai aos pouco esmaecendo dentro de mim numa transformação desajeitada de ser o escritor de uma missiva convincente ao ponto de mostrar a realidade desta minha incontestável amargura ao escárnio público: Que aflição! Qual é o seu verdadeiro propósito, aliás, o meu sofrimento sempre foi a sua ventura. É apenas uma lágrima no canto do olho que sai e cai pelos abrolhos do vasto campo da existência, esverdeado de tanto cultuar a esperança nas meigas preces do coração que ousa, aqui dentro de mim, bater cada vez mais forte. A grama não reclama o pingo de lágrima que cai, usufrui dela, como se esta fosse uma gota de orvalho provocada pela magia do amor que eclode, queda e morre.
A caminhada sobre a alcatifa me põe a cismar, a vislumbrar o entendimento de quem quero... Que ao menos consiga se lembrar, que nesta relva por onde caminho e choro, o ipê amarelo acabou de florir e coloriu a sombra de recordações tragadas pela alma de quem nada percebeu... Nem viu, nem aceitou... Preferiu estar bem longe a entender os manifestos da situação espelhada em minha voz entrecortada pela decepção que me foi causada pelo vislumbre do fim, ainda que tardio, da aceitação de que realmente fosse isso o começo do fim. Na corola daquela flor tinha um pingo de água, mágoa da noite sumida nas entranhas da escuridão, assumido pelo calor do desejo de ser tragado, engolido pelo imenso lampejo daquilo que me fascina:
- A boca da noite não tem língua, mas solfeja constantemente as notas que restaram na canção do esquecimento!
- Que essa carta fosse realmente a missiva tão esperada e que na alegria do recebimento desmaiasse no inconteste sabor de tudo o que queria: - A verdade, nada mais além da verdade.
- Amor não se compra, não há intercâmbio intermediário e no sistema monetário não existe nenhuma moeda corrente que seja denominada “toma lá dá cá”, amor tem que se conquistar e o pagamento deverá ser sempre feito com única moeda existente, a moeda que não tem lados e sim a vastidão da entrega mútua sem se pensar em valores materiais e sim na fusão de sonhos e sentimentos que se formaram numa convivência única de cumplicidade... Eu era feliz, porque comprava o seu amor!
Saboreando dessa forma os passos que dei por onde andei, senti, vi e perdi. De lápis e papel na mão, o que escrever então, se não há mais razão, nem direção, nem apreço, nem mesmo o endereço já não sei mais... Estou perdido no campo da vida... A relva ainda úmida é o meu tapete... Rei sem trono... Meu ipê amarelo em sua sombra ergueu-se um castelo de sonhos e nele tranquei a vida numa masmorra de ilusões e agora meio abobalhado me enfronho numa guerra sem tréguas de mim para comigo mesmo. Hão de saber que infeliz foi você que me fez esquecer as palavras e frases que noutras ocasiões eu saberia como escrevê-las, restou-me então a única opção a de rabiscar o papel e destruir o pensamento... Acho que o meu silêncio falará mais alto que tudo. Um dia nos encontraremos por aí. Quanto tempo perdido nesta carta que não escrevi!
Valdir Merege Rodrigues
Pinhalão - Paraná