PRIVAÇÃO DO SONO
Já é possível pressentir, ao entardecer, a lâmina fria da noite rasgando o horizonte de incertezas. A vigília anunciada e a dor preventiva das chagas corrompidas obscurecem os silêncios com amordaçados gritos de uma cega escuridão. A maledicência do meio-dia, o olhar dissimulado, a farsa, as máscaras da linguagem cordial... Faces espelhadas deixadas para trás, esquecidas, que retornam em imagens e emoções tardias encorpadas no turbilhão da insônia. Alegorias de estrelas afiadas num céu de asfixia.
Armadilhas. No tabuleiro de sombras e luzes, os pensamentos se movem como peões que anseiam os sonhos, como peões que se perdem nos abismos espiralados das inquietações... Não há xeque-mate. O jogo se reproduz e reinicia sem a intenção do observador insone rendido às perdas e vitórias que se entrelaçam no chão confuso e dicotômico da projeção da noite lenta. Sobrevidas, sobretudos, sobreventos, sobreclaustros, sobrevôos...
Lances que fragmentam a alma em armadilhas minadas de vivências escondidas. Ninho de cobras. Percepções fantásticas se revelam no corpo em aflitos movimentos escorregadios. Flagelo de si, flagelo do outro... Corpo desnudo, queda em abismos, ansiedade... Talvez o ópio... Qualquer alucinação que desatraque as naus oníricas do cais superestimado de realidades. Talvez o dia... Com os movimentos nervosos, a dispersão das frestas de claridade das obscuras cavernas. Talvez a exclamação... O desabafo das circunstâncias.