Chuva
Gotas.
Gotas de chuva caem na janela. Começam lá em cima, a partir de uma nuvem carregada de tantas como essas outras, e caem, simplesmente. Caem, pois não podem evitar, e mesmo se pudessem, não sei se o fariam, mas talvez o fizessem, talvez decidissem se aventurar por outras regiões, outras terras, pois aquelas que iriam cair não lhes convinha, mas como saberiam, se nem ali caído tinham. Talvez, se pudessem pensar em mudar, não, se pelo menos pudessem PENSAR, não veríamos gotas caindo, nem se movendo, veríamos gotas estáticas no ar, sem saber aonde aterrissar. Felizmente, elas não pensam, então não fazem nada mais além de cair.
Gotas deslizam pela superfície lisa do vidro da janela. As primordiais, isto é, aquelas que caíram primeiro a partir das nuvens cheias dessas e mais tantas outras, parecem desbravadores, colonizadores, criando novos caminhos pelos quais as posteriores irão seguir, igualmente, sem sequer pensar em parar para pensar, seguindo aquele caminho já pensado, igualmentemente. Até que, em algum momento, outra gota cairá em um lugar do vidro que não foi tocado, em um espaço limpo, entretanto, só parece estar limpo. Um pouco das gotas que ali próximas aterrissaram, soltaram um pouco do seu ser naquele espaço, que a olho nu parece limpo, novo, mas não se engane, na janela não tem espaço totalmente intocado depois de alguns segundos de chuva.
Gotas parecem lágrimas. Lágrimas de uma criança que acabou de cair e machucar o joelho, desamparada e pensando que nunca mais vai andar, gritando por sua mãe e pai que vem logo ajudar. Lágrimas de uma mulher ao parir sua filha, tendo ambos os sentimentos de sofrimento e alegria, pois está ali, dando tudo que tem para soltar uma parte de si nesse mundo encharcado de gotas e regiões que preferia não ir, e ao mesmo tempo, não consegue ficar triste sobre isso, mesmo sabendo todos os horrores que tem nisso. Lágrimas de um idoso ao dizer adeus ao amor de sua vida, que está em uma cama de hospital, só esperando seu momento final, e chora pois não há mais nada para fazer, e mesmo assim, adoraria voltar alguns momentos, só para estar ao lado de quem mais quer ter.
Gotas chegam ao fim da janela. Não importa a velocidade que caíram, ou qualidade da janela, ou espaço que aterrissaram. Elas chegam no fim da janela, e, se você parar um momento o que está fazendo, seja estudar para passar naquela prova, seja cozinhar para toda sua família, seja um desenho ou um conto que você faz para o seu bem estar, e simplesmente observar, verá os deuses e crianças e mulheres e idosos chorando, verá a descida de suas lágrimas bem de perto, verá gotas deslizando por uma superfície transparente e tão comum, verá o retrato de toda a tristeza e alegria do mundo, em uma simples janela.
Gotas evaporam, e são recolhidas pelas nuvens, que as acolhem com todo carinho possível. Elas ficam nas nuvens, enquanto são levadas para outro lugar, só para caírem sem saber em qual região vão aterrissar, e tudo, mais uma vez, recomeçar.