“Pipoca, paçoca, contos & encantos”!

Morena (passando das 6 horas), joelhos salientes, cabelos crespos e bem volumosos. Se me confundissem com um sabugo de milho moreno... (sem os fios dourados, claro) não ficaria surpresa, já que me sentia bem assim: um sabugo! Mas, como acabamento esmerado desta aparência pouco bonita, havia algo que iluminava minha alma e minimizava os descuidos da natureza malvada: os olhos grandes e muito espertos que herdei de meu querido pai e ele de minha saudosa avó Alzira.

Meu pai era pipoqueiro. Não, melhor dizendo: um excelente fazedor de pipocas! No calor da panela elas pulavam alegremente tocadas ao ritmo de suas mãos de maestro. Os amendoins faziam companhia às dançarinas e não se sentiam nem um pouco inferiorizados! Um cheiro gostoso ia tomando conta do ar, em volta do carrinho de pipoca as pessoas já faziam fila para saboreá-los!

Em meio a milhos e amendoins, havia histórias contadas pelo meu velho e bom pai: Os três porquinhos, a bela adormecida e a história da onça... Ah! A história da onça... Impossível dizer quantas foram as vezes que pedimos ao pai para contar (de novo!) a “história da onça”.

E ele contava, sem reclamar, mais uma vez! Engraçado... Não lembro o final da história da onça! Eu sempre dormia antes da história acabar! Pensando bem, eu acho que o pai “usava” a história como cantiga de ninar... Que esperto! Ouvir histórias era bom. Melhor ainda era ler as histórias.

Ganhara de presente três livros encantadores. Eles pareciam enormes em minha mão de menina de apenas quatro anos. As imagens me encantavam. Lembro-me do Bambi, das figuras impressionantes dos caçadores... “Era uma vez...” essa simples expressão deixava as minhas emoções infantis num verdadeiro frenesi, meu coração disparava; eu sabia, que uma vez pronunciada o mundo se transformaria: fadas, duendes, visões encantadoras povoariam a minha imaginação, tudo era um só encantamento arrematado solenemente pelo invariável ”felizes para sempre”! Como era bom!...

Meu pai, muito sensível e observador, notou que os olhos grandes e espertos se alimentavam das páginas. Então, ensinou-me a ler! Além das habilidades com as pipocas, com os amendoins, com as histórias orais, ele apresentava habilidade – também – com as letras!

Enquanto suas mãos giravam o torrador de amendoim, e pouco a pouco o cheiro gostoso e conhecido tomava conta do ar, seus olhos caminhavam pelas páginas de um jornal; de um pequeno livro de bolso, enfim... Por qualquer papel que tivesse letras!

E eu, sentava-me ao pé da escada e fazia de um degrau a minha mesa! Nela apoiava meus enormes livros coloridos e abria meu caderno de caligrafia! Verdade! Além de ler, meu pai também me ensinou a escrever!

Fui para a escola com seis anos de idade. O prédio não era de alvenaria, e sim de madeira. Talvez por isso o calor humano ali habitasse! Dona Inês, minha professora da 1ª série (na época dizia-se “primário”) era muito atenciosa e logo percebeu minhas habilidades.

Não me lembro de ter atrapalhado alguma aula sua; no entanto, pela experiência que temos hoje, creio que tenha dado muito trabalho para ela. É, pensando bem, acho que foi isso mesmo. Recordo-me que ela deixava uns livros de histórias sobre a mesa e falava docemente para eu ler “assim que terminasse a lição”! E era isso que eu fazia!

Poemas? Contos? Crônicas? Não sei se os escrevi... Só sei que em meio à “pipoca, paçoca, contos & encantos” fiz um bilhetinho para minha mãe que ela guarda até hoje!